Texto do meu amigo jornalista José Edmar Gomes, o Brother. Do blefe à ré.
O mito levou muita gente às ruas. Muito mais do que ele e a oposição esperavam. Esta constatação lhe deu o gás que faltava para ele secretar seu veneno contra as instituições democráticas, que ele detesta e são o empecilho ao seu projeto golpista.
A opção pelo golpe ficou clara, como o sol de Brasília, em suas falas, aqui e em São Paulo. Só que a incapacidade de sua mente, naturalmente obtusa, o impede de ir adiante. Ele quase se derreteu, diante de um mar de seguidores, que o endeusavam, neste 7 de Setembro.
Perdeu a grande oportunidade de colocar em prática seu intento. Afinal, o povo estava nas ruas, apoiando-o e crendo, cegamente, no mito que ele representava. Registre-se que este mesmo povo comportou-se admiravelmente, como devem ser as manifestações democráticas. Em nenhum momento, houve violência, como queria o, hoje, indigitado cantor Sérgio Reis.
O povo cria no mito, porque, bastava uma palavra ou um pedido seu para que aquela multidão aprovasse qualquer iniciativa dele, no sentido de elaborar um projeto de lei, reformando a Constituição, varrendo do mapa institucional o Supremo Tribunal Federal, e outras estruturas constitucionais.
Isto, dentro de determinado prazo, sob pena daquele povão invadir o Congresso e exigir dos parlamentares a aprovação da medida de retrocesso. Mas o mito preferiu mostrar sua ignorância ao propor uma reunião do Conselho da República, que ele não sabe o que é, nem para que serve.
Outra provocação inócua do mito foi a declaração de que não vai obedecer às decisões de um certo ministro do STF. OK. Acho que entendi: não obedece às decisões de um certo ministro... mas, poderá obedecer às decisões dos outros dez. Huum... quem é que entende cabeça de mito?
Parece que, na hora de partir para o tudo ou nada, o mito deu um passo atrás e não teve a necessária coragem para consumar o golpe. Afinal, para que foi montada toda aquela estrutura?
O povão estava nas ruas, com vigor cívico no coração. Povão e classe média queriam que o seu mito fizesse algo para baixar o preço do feijão, do arroz, do chambaril, do osso buco, da carne (carne?), do gás, da gasolina, do diesel, do aluguel, da cachaça, da cerveja e para que consigamos um trabalho, pelo amor de Deus.
Ocorre que mitos, surgidos do dia pra noite, têm pés de barro e coragem mínima para grandes ações. Eles se escondem atrás de um discurso tosco e de ações reles, que só foram absorvidos por seus eleitores, devido a outros erros de percurso, que a direita e a esquerda já perpetraram, no comando do Brasil.
Por tantos erros, os demais mitos que governaram o Brasil, deixaram o Palácio pela porta dos fundos, ou dentro de um caixão, e o mito da vez faz tudo para que esta situação se repita, com o intuito de se tornar um ditador e nunca mais levar o povão às ruas. Que destino cruel o nosso! (Quem é que entende cabeça de mito?)
Caudilhos de ocasião sempre têm visão caolha de Nação e de governo, mas a têm. O mito em questão, no entanto, não tem nada disso, muito menos o apoio das Forças Armas, que gostaria de ter. As FAs conhecem seu papel institucional de defesa do Estado e da Constituição. Nem tudo é retrocesso, felizmente.
A grande cartada do mito foi convocar seus eleitores para a grande manifestação do 7 de Setembro. Eles obedeceram, mas ninguém explicou como a banda iria tocar. O mito disse, apenas, que não vai mais obedecer a um certo ministro e que convocaria o Conselho da República...
Parece que o mito queria era que o povão partisse pra a violência e as forças policiais e militares tivessem que intervir e o guindassem ao comando do retrocesso, como propunha algumas faixas, em meio à multidão.
Ocorre que o povo não é bobo, nunca o foi. Cumpriu seu dever cívico, da melhor maneira possível, enquanto o mito destilava suas intenções caudilhescas e ditatoriais. O povão esperava a proposta do mito, que esperava a reação do povão, que não estava a fim de confusão...
E nada aconteceu; a não ser a palavra canalha, dirigida ao certo ministro, que se tornou o bode expiatório do 7 de Setembro e, talvez, o símbolo de que a Pátria precisa, agora. Mas atacar um ministro só é covardia ou é um ataque à Corte inteira. Ou, ainda, um completo despropósito.
O mito apresentou sua pior performance, num momento em que seu eleitorado esperava tudo dele. Nunca mais haverá oportunidade igual.
Com tal performance, ele conseguiu apenas ampliar a antipatia que o Congresso e demais instituições democráticas já nutrem por ele. O que o aproxima, inexoravelmente, do impeachment.
(José Edmar Gomes, 8 de setembro de 2021)