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Wálter Maierovitch
8 de setembro de 2010 às 17:54h
1. No momento, 14 mulheres estão condenadas à morte pela Justiça iraniana que dá uma interpretação fundamentalista ao Alcorão e a sharia nas suas decisões.
Uma das condenadas à pena capital é Sakineh Mohammadi Ashtiani, acusada de manter relações extraconjugais e de cumplicidade no assassinato do esposo.
Com relação processo Sakineh, existe um movimento sem fronteiras de sensibilização humanitária e o presidente Lula já ofereceu-lhe asilo, e foi mal interpretado pelo governo do Irã.
O advogado de Sakineh, com apoio dos dois filhos da iraniana, apelou às organizações dedicadas à defesa dos direitos humanos e a comunidade internacional reagiu, quer contra a pena de morte, quer quando à forma de execução eleita, ou seja, a lapidação, tudo antecedido de flagelação. Aliás, a iraniana já foi chicoteada em público, pelo imputado adultério. Referido advogado, por difundir negativamente uma decisão da Justiça, teve de fugir para a Noruega para não ser preso e submetido a processo por traição à pátria.
No início do mês de agosto, a pena de apedrejamento foi suspensa, até decisão dos tribunais superiores. A decisão, no entanto, acabou integralmente mantida. Então, aumentou a indignação.
Na segunda feira 6, Saijad Ghaderzadeh, de 22 anos e filho de Sakineh, enviou uma mensagem à União Européia e ao Vaticano, onde escreveu: – “Salvem a minha mãe”.
A reação foi imediata e, ontem, o Parlamento Europeu soltou uma moção solicitando ao governo iraniano a suspensão da pena de morte e que Sakineh fosse submetida a um processo justo:muitos europarlamentares usaramuma camiseta com a imagem de Sakineh.
A iraniana condenada encontra-se incomunicável há mais de vinte dias. Isso ocorreu imediatamente à difusão, pela televisão iraniana, das suas confissões sobre o adultério e a participação no homicídio do marido.
Para analistas internacionais, trataram-se de confissões impostas a fim de o governo iraniano dar uma resposta ao mundo.
Efetivamente, as confissões foram forjadas e dadas a um jornalista, sem a presença do advogado de Sakineh.
No processo que já dura mais de cinco anos, Sakineh negou todas as acusações. Quando à participação no homicídio do marido, essa acusação só surgiu depois da reação internacional de reprovação à decisão da Justiça iraniana.
Internamente, a única estranheza deve-se ao silêncio do chamado movimento ‘Onda Verde’, de oposição ao presidente iraniano: o movimento ganhou força e projeção internacional pelas denúncias de fraude nas últimas eleições presidenciais iranianas. Como houve violenta repressão e muitos dos líderes foram presos e estão sob processo criminal, parece que o movimento perdeu poder de articulação.
Durão Barroso, pelo Conselho da União Européia, destacou, na sessão de ontem, ser inadmissível, no estágio civilizatório atual, uma condenação à pena morte e definiu a lapidação como crueldade.
Barroso fez eco a vozes de peso, como, por exemplo, a da iraniana Shirin Ebani, 63 anos de idade, advogada de profissão e a primeira mulher islâmica a ganhar um prêmio Nobel da paz (2003): – “Não é o meu Irã e as ofensas contrariam a nossa cultura”, disse com relação à condenada e referentemente a editorial de jornal iraniano, –que apóia o presidente Mahmoud Ahmadinejad–, sobre a primeira dama francesa, Carla Bruni.Para o jornal, Carla Bruni é uma prostituta em defesa da adúltera Sakineh.
Outra manifestação de peso, foi do presidente italiano Giorgio Napolitano. Sob a presidência de Napolitano saiu a proposta de moratória da pena de morte. Essa proposta, depois de vetada por uma comissão das Nações Unidas, foi retomada pela Alemanha, com a condição de suspensão até a deliberação por uma Convenção da ONU. Poucos países rejeitaram a moratória,dentre eles Irã e EUA.
–2. Enquanto o ministro Ramin Mehmanparast, da pasta de relações internacionais, informava, pela televisão iraniana, uma nova da pena imposta a Sakineh, a Comissão de relações internacionais do Parlamento iraniano acusou a França e a Itália de inaceitável tentativa de ingerência na Justiça iraniana: “As posições da França e da Itália são exemplos claros de interferências nos negócios internos e no sistema judiciário iraniano. Semelhantes intervenções são ilegítimas e representam pura propaganda contra a República islâmica”.
Com se percebe, o governo iraniano procura ganhar tempo, até porque a questão nuclear ainda está pendente e a última posição de Rússia e China serviu para mudar o cenário.
Wálter Maierovitch
Walter Maierovitch é jurista e professor, foi desembargador no TJ-SP
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