terça-feira, 26 de outubro de 2010

Carta aberta a Fernando Henrique Cardoso

Reproduzo aqui o artigo publicado pela Carta Maior, de autoria do professor Theotonio dos Santos , Carta aberta a Fernando Henrique Cardoso. Este artigo quebra mitos enraizados na sociedade brasileira e propicia a discussão sobre  o "milagre" neoliberal. 

O plano Real não derrubou a inflação e sim uma deflação mundial que fez cair as inflações no mundo inteiro. A inflação brasileira continuou sendo uma das maiores do mundo durante o seu governo. O real foi uma moeda drasticamente debilitada. Isto é evidente: quando nossa inflação esteve acima da inflação mundial por vários anos, nossa moeda tinha que ser altamente desvalorizada. De maneira suicida ela foi mantida artificialmente com um alto valor que levou à crise brutal de 1999. Outro mito é que seu governo foi um exemplo de rigor fiscal. Um governo que elevou a dívida pública do Brasil de 60 bilhões de reais em 1994 para mais de 850 bilhões, oito anos depois, é um exemplo de rigor fiscal? O artigo é de Theotonio dos Santos.
Meu caro Fernando,

Vejo-me na obrigação de responder a carta aberta que você dirigiu ao Lula, em nome de uma velha polêmica que você e o José Serra iniciaram em 1978 contra o Rui Mauro Marini, eu, André Gunder Frank e Vânia Bambirra, rompendo com um esforço teórico comum que iniciamos no Chile na segunda metade dos nos 1960. A discussão agora não é entre os cientistas sociais e sim a partir de uma experiência política que reflete contudo este debate teórico. Esta carta assinada por você como ex-presidente é uma defesa muito frágil teórica e politicamente de sua gestão. Quem a lê não pode compreender porque você saiu do governo com 23% de aprovação enquanto Lula deixa o seu governo com 96% de aprovação. Já discutimos em várias oportunidades os mitos que se criaram em torno dos chamados êxitos do seu governo. Já no seu governo vários estudiosos discutimos, já no começo do seu governo, o inevitável caminho de seu fracasso junto à maioria da população. Pois as premissas teóricas em que baseava sua ação política eram profundamente equivocadas e contraditórias com os interesses da maioria da população. (Se os leitores têm interesse de conhecer o debate sobre estas bases teóricas lhe recomendo meu livro já esgotado: Teoria da Dependencia: Balanço e Perspectivas, Editora Civilização Brasileira, Rio, 2000).

Contudo nesta oportunidade me cabe concentrar-me nos mitos criados em torno do seu governo, os quais você repete exaustivamente nesta carta aberta.

O primeiro mito é de que seu governo foi um êxito econômico a partir do fortalecimento do real e que o governo Lula estaria apoiado neste êxito alcançando assim resultados positivos que não quer compartilhar com você... Em primeiro lugar vamos desmitificar a afirmação de que foi o plano real que acabou com a inflação. Os dados mostram que até 1993 a economia mundial vivia uma hiperinflação na qual todas as economias apresentavam inflações superiores a 10%. A partir de 1994, TODAS AS ECONOMIAS DO MUNDO APRESENTARAM UMA QUEDA DA INFLAÇÃO PARA MENOS DE 10%. Claro que em cada pais apareceram os “gênios” locais que se apresentaram como os autores desta queda. Mas isto é falso: tratava-se de um movimento planetário.

No caso brasileiro, a nossa inflação girou, durante todo seu governo, próxima dos 10% mais altos. TIVEMOS NO SEU GOVERNO UMA DAS MAIS ALTAS INFLAÇÕES DO MUNDO. E aqui chegamos no outro mito incrível. Segundo você e seus seguidores (e até setores de oposição ao seu governo que acreditam neste mito) sua política econômica assegurou a transformação do real numa moeda forte. Ora Fernando, sejamos cordatos: chamar uma moeda que começou em 1994 valendo 0,85 centavos por dólar e mantendo um valor falso até 1998, quando o próprio FMI exigia uma desvalorização de pelo menos uns 40% e o seu ministro da economia recusou-se a realizá-la “pelo menos até as eleições”, indicando assim a época em que esta desvalorização viria e quando os capitais estrangeiros deveriam sair do país antes de sua desvalorização, O fato é que quando você flexibilizou o cambio o real se desvalorizou chegando até a 4,00 reais por dólar. E não venha por a culpa da “ameaça petista” pois esta desvalorização ocorreu muito antes da “ameaça Lula”. ORA, UMA MOEDA QUE SE DESVALORIZA 4 VEZES EM 8 ANOS PODE SER CONSIDERADA UMA MOEDA FORTE? Em que manual de economia? Que economista respeitável sustenta esta tese?

Conclusões: O plano Real não derrubou a inflação e sim uma deflação mundial que fez cair as inflações no mundo inteiro. A inflação brasileira continuou sendo uma das maiores do mundo durante o seu governo. O real foi uma moeda drasticamente debilitada. Isto é evidente: quando nossa inflação esteve acima da inflação mundial por vários anos, nossa moeda tinha que ser altamente desvalorizada. De maneira suicida ela foi mantida artificialmente com um alto valor que levou à crise brutal de 1999.

Segundo mito; Segundo você, o seu governo foi um exemplo de rigor fiscal. Meu Deus: um governo que elevou a dívida pública do Brasil de uns 60 bilhões de reais em 1994 para mais de 850 bilhões de dólares quando entregou o governo ao Lula, oito anos depois, é um exemplo de rigor fiscal? Gostaria de saber que economista poderia sustentar esta tese. Isto é um dos casos mais sérios de irresponsabilidade fiscal em toda a história da humanidade.

E não adianta atribuir este endividamento colossal aos chamados “esqueletos” das dívidas dos estados, como o fez seu ministro de economia burlando a boa fé daqueles que preferiam não enfrentar a triste realidade de seu governo. Um governo que chegou a pagar 50% ao ano de juros por seus títulos para, em seguida, depositar os investimentos vindos do exterior em moeda forte a juros nominais de 3 a 4%, não pode fugir do fato de que criou uma dívida colossal só para atrair capitais do exterior para cobrir os déficits comerciais colossais gerados por uma moeda sobrevalorizada que impedia a exportação, agravada ainda mais pelos juros absurdos que pagava para cobrir o déficit que gerava.

Este nível de irresponsabilidade cambial se transforma em irresponsabilidade fiscal que o povo brasileiro pagou sob a forma de uma queda da renda de cada brasileiro pobre. Nem falar da brutal concentração de renda que esta política agravou dráticamente neste pais da maior concentração de renda no mundo. Vergonha, Fernando. Muita vergonha. Baixa a cabeça e entenda porque nem seus companheiros de partido querem se identificar com o seu governo...te obrigando a sair sozinho nesta tarefa insana.

Terceiro mito - Segundo você, o Brasil tinha dificuldade de pagar sua dívida externa por causa da ameaça de um caos econômico que se esperava do governo Lula. Fernando, não brinca com a compreensão das pessoas. Em 1999 o Brasil tinha chegado à drástica situação de ter perdido TODAS AS SUAS DIVISAS. Você teve que pedir ajuda ao seu amigo Clinton que colocou à sua disposição ns 20 bilhões de dólares do tesouro dos Estados Unidos e mais uns 25 BILHÕES DE DÓLARES DO FMI, Banco Mundial e BID. Tudo isto sem nenhuma garantia.

Esperava-se aumentar as exportações do pais para gerar divisas para pagar esta dívida. O fracasso do setor exportador brasileiro mesmo com a espetacular desvalorização do real não permitiu juntar nenhum recurso em dólar para pagar a dívida. Não tem nada a ver com a ameaça de Lula. A ameaça de Lula existiu exatamente em conseqüência deste fracasso colossal de sua política macro-econômica. Sua política externa submissa aos interesses norte-americanos, apesar de algumas declarações críticas, ligava nossas exportações a uma economia decadente e um mercado já copado. A recusa dos seus neoliberais de promover uma política industrial na qual o Estado apoiava e orientava nossas exportações. A loucura do endividamento interno colossal. A impossibilidade de realizar inversões públicas apesar dos enormes recursos obtidos com a venda de uns 100 bilhões de dólares de empresas brasileiras. Os juros mais altos do mundo que inviabilizava e ainda inviabiliza a competitividade de qualquer empresa.

Enfim, UM FRACASSO ECONOMICO ROTUNDO que se traduzia nos mais altos índices de risco do mundo, mesmo tratando-se de avaliadoras amigas. Uma dívida sem dinheiro para pagar... Fernando, o Lula não era ameaça de caos. Você era o caos. E o povo brasileiro correu tranquilamente o risco de eleger um torneiro mecânico e um partido de agitadores, segundo a avaliação de vocês, do que continuar a aventura econômica que você e seu partido criou para este país.

Gostaria de destacar a qualidade do seu governo em algum campo mas não posso fazê-lo nem no campo cultural para o qual foi chamado o nosso querido Francisco Weffort (neste então secretário geral do PT) e não criou um só museu, uma só campanha significativa. Que vergonha foi a comemoração dos 500 anos da “descoberta do Brasil”. E no plano educacional onde você não criou uma só universidade e entou em choque com a maioria dos professores universitários sucateados em seus salários e em seu prestígio profissional. Não Fernando, não posso reconhecer nada que não pudesse ser feito por um medíocre presidente.

Lamento muito o destino do Serra. Se ele não ganhar esta eleição vai ficar sem mandato, mas esta é a política. Vocês vão ter que revisar profundamente esta tentativa de encerrar a Era Vargas com a qual se identifica tão fortemente nosso povo. E terão que pensar que o capitalismo dependente que São Paulo construiu não é o que o povo brasileiro quer. E por mais que vocês tenham alcançado o domínio da imprensa brasileira, devido suas alianças internacionais e nacionais, está claro que isto não poderia assegurar ao PSDB um governo querido pelo nosso povo. Vocês vão ficar na nossa história com um episódio de reação contra o vedadeiro progresso que Dilma nos promete aprofundar. Ela nos disse que a luta contra a desigualdade é o verdadeiro fundamento de uma política progressista. E dessa política vocês estão fora.

Apesar de tudo isto, me dá pena colocar em choque tão radical uma velha amizade. Apesar deste caminho tão equivocado, eu ainda gosto de vocês (e tenho a melhor recordação de Ruth) mas quero vocês longe do poder no Brasil. Como a grande maioria do povo brasileiro. Poderemos bater um papo inocente em algum congresso internacional se é que vocês algum dia voltarão a freqüentar este mundo dos intelectuais afastados das lides do poder.

Com a melhor disposição possível mas com amor à verdade, me despeço

thdossantos@terra.com.br
http://theotoniodossantos.blogspot.com/

(*) Theotonio Dos Santos é Professor Emérito da Universidade Federal Fluminense, Presidente da Cátedra da UNESCO e da Universidade das Nações Unidas sobre economia global e desenvolvimentos sustentável. Professor visitante nacional sênior da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Piauí: Saudade não, aqueles montes!

Hoje é o aniversário do Piauí. O texto abaixo caracteriza muitíssimo bem os nossos (dos piauienses) sentimentos quando o assunto é o Piauí.

Piauí: Saudade não, aqueles montes!
Paulo José Cunha(*)


Quem é do Piauí nunca vai embora de lá. Porque nem bem sai e já começa a cultivar uma planta que mal nasce e nunca mais quer morrer: a saudade. Piauiense tem saudade do Piauí até quando... está no Piauí! Sofre só de pensar que um dia vai ter de sair. E mal sai, já quer voltar.

Para o piauiense que mora longe todo retorno ao Piauí é um alumbramento. E o mais curioso: quem sai nunca retorna ao Piauí. Sabe por quê? Porque ninguém volta para um lugar de onde nunca saiu, ora. Tem um ditado lá no Piauí que diz mesmo assim: "Difícil não é a gente sair do Piauí. Difícil é o Piauí sair de dentro da gente". 

E quando conseguimos saír trazemos o Piauí inteirinho na mala: é cachaça, paçoca, cajuína, carne de sol, artesanato de palha, de barro, de madeira, de couro... Trazemos tudo, até capote-no-arroz, prontinho pra comer. E nem reclamamos por ter de pagar excesso de bagagem. Se quiser se divertir vá pro aeroporto ver piauiense quando chega do Piauí. A bagagem é aquele estrupício. E os cuidados? "Segura direito que aí dentro tem uma compota de bacuri maravilhosa, que eu vou dar de presente a um amigo". Ou: "Me dê uma mãozinha aqui com esta sacola. A moça lá da companhia não queria deixar eu trazer, mas se não trouxesse iam duvidar que eu sou piauiense se desembarcasse sem umas cajuínas, né não?" E o orgulho? "Olhe só, veja só, sinta só o perfume, perceba a qualidade desta carne de sol de Campo Maior. Não é uma riqueza? É um privilégio morar num lugar que produz uma maravilha dessas? Afe Maria! Ô, Piauizinho de açúcar!"  

Agora, quer saber: a mala vem cheia mesmo é de saudade, uma saudade destamanho. Possa ser que exista, mas está por aparecer quem tenha mais saudade de sua terra do que o piauiense. Por isso, neste 19 de outubro, Dia do Piauí, ousamos dizer que um dia é pouco, um ano é pouco, uma vida inteira ainda é pouca - pra matar essa saudade.
      
 Aliás, criatura, prestenção: quem foi que disse que a gente quer que a saudade do Piauí morra? Deixa a bichinha viver...

(*)Paulo José Cunha é poeta, jornalista, publicitário, escritor e professor. Com ascendência familiar piauiense, mesmo tendo nascido no Rio de Janeiro, é considerado expoente literário do Piauí. É Professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília e Diretor do CPCE - Centro de Produção de Televisão e Cinema da UnB.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Religiões condenam discussão sobre aborto em campanha política

Sul 21

Rachel Duarte(*)

Em todo o país o debate do momento envolve religião e política. A pauta veio à tona na internet, no final do primeiro turno das eleições presidenciais, supostamente provocada por pequenos grupos. O assunto toma conta da grande imprensa e preocupa a campanha de Dilma Rousseff (PT). A petista foi acusada de ter uma posição contra a vida, sendo a favor do aborto, da pedofilia e outros tantos temas polêmicos e complexos.
O 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3), lançado em dezembro de 2009 pelo presidente Lula parece ter sido a causa das leviandades contra a petista.  Na época, os p ontos polêmicos do Programa, como o aborto, foram atenuados, pela pressão da Igreja Católica. No entanto, o assunto voltou com a força, no final da campanha do primeiro turno.
O texto original do PNDH 3 defendia a descriminalização do aborto. Decreto posterior do presidente Lula mudou a redação, atendendo a  apelos da Igreja Católica. O novo texto eliminou a possibilidade de descriminalização do aborto.
Um cartaz com a antiga redação do PNDH foi espalhado por vários templos religiosos dias antes do pleito, além de ter havido uma orientação da 1º Igreja Batista de Curitiba para que os fiéis não votassem em Dilma. A Igreja Batista distribuiu inclusive CDs e cartas pró-Serra, segundo relatou o prefeito de Sapucaia do Sul, Valmir Ballin, sobre o material recebido pelas igrejas do município.
Manipulação
Para o frei capuchinho Wilson Dallagnol, “está havendo uma manipulação em torno do assunto, pois a candidata foi clara na sua posição”. Ele reforça a teoria de que o movimento foi desencadeado por pequenos grupos: “existem grupos influenciando esta opinião. É uma indução da opinião pública contra a candidata, jogando com certos elementos para atingir, com temas polêmicos, setores mais conservadores”, falou.
Segundo o bispo da Igreja Adventista do 7º Dia de Porto Alegre, José Santos, a sua igreja não é apolítica, mas apartidária. “Nem poderíamos ser apolíticos, pois a política interfere na nossa vida e nós vivemos em sociedade, num município que sofre interferência nas ações de saúde, segurança, que interessa a todos os cidadãos”, explicou. Porém, o bispo Santos ressaltou que não há uma orientação ou qualquer movimento de influência no voto dos seguidores. “Nós apenas orientamos para uma sabedoria na escolha do voto, para que se conheçam os valores dos candidatos, como eles pensam. Incentivamos que os fiéis votem, para que não haja abstenção e que eles exerçam a cidadania”, falou.
O líder religioso salientou ainda que na Igreja Adventista do 7º Dia é reforçado aos fiéis que não sigam movimentos ou opiniões de terceiros ou de conteúdos que circulam na internet. “Não podemos agir conforme as emoções, porque mudamos a maneira de pensar quando estamos diante de uma influência deste tipo”, alertou. Santos defendeu o cristianismo, dizendo que ele é “baseado na liberdade de escolha e no livre arbítrio dado por Deus.”
O representaante da Federação Israelita do Rio Grande do Sul, professor das Ciências da Comunicação da PUC-RS Jacques Waimberg diz que nunca houve orientação política, muito menos na eleição. “Mas eventualmente se cria um ambiente para que a comunidade se reúna e escute os candidatos, se for de interesse coletivo. A Federação não se reuniu para decidir sobre isso”, afirmou.
Porém, como acadêmico, Waimberg expressou opinião pessoal sobre a religiosidade e a política nesta eleição. “Não há mal-estar na nossa comunidade, há uma separação entre candidatos e religião. Porém, os candidatos expressam valores que podem ferir ou agradar a população brasileira”, defendeu.
Ele reconhece que o Brasil é um país cristão e afirma que isso influencia a vida política do país e deve ser levado em conta na ação dos políticos brasileiros. “A Igreja sempre foi um ator político importante na história política do país, então não é surpreendente que surjam estes temas”, falou.
Análise dos fatos
O sociólogo gaúcho especializado em Ciência Política Ottmar Teske se preocupa com a tendência de aproximar a religião da política, quando envolve a discussão sobre o aborto em uma eleição. “Se nós formos discutir uma questão da área da saúde, temos que ter clareza. Quem precisa falar sobre isso não é o padre, não é o papa, não é o religioso. Quem tem que ser consultado não são os homens. São as mulheres”, defende.
Teske faz questão de esclarecer que debater sobre o princípio da vida não é estar contra a vida. Ele analisou os programas dos dois candidatos que disputam o segundo turno, Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), e não detectou nenhum ponto que tocasse na descriminalização do aborto. “Nenhuma das candidaturas tem uma discussão mais precisa se é a favor ou contra. O que está acontecendo no país me parece ser uma onda que tenta usar a religião como instrumento de despolitização equivocada”, analisa. E argumenta: “parece que nenhuma das candidaturas é contra a vida, ambas defendem a vida e é o que as igrejas mais cristãs também defendem. Eu, como cristão, analisando as duas candidaturas, fico tranquilo, pois qualquer um irá realizar uma conversa sobre este tema”, diz.
Sobre o debate ser levantado em época de eleição, em pleno século 21, ele também revela preocupação, por ser um fato que demonstra o atraso do Brasil, que, segundo ele, é o único país que ainda debate a questão. “Chega a ser uma hipocrisia. Enquanto França, Argentina, entre outros, já definiram esse tema, os brasileiros se contradizem. Pois, os mesmos que criticam o aborto são a favor de pesquisas com células-tronco ou a favor do latifúndio ou da pena de morte”, compara.
Descriminalização do aborto
O Ministério da Saúde lançou, em 1998, durante a gestão de José Serra, atual candidato tucano à Presidência da República,  uma norma técnica, como parte de suas ações educativas. A norma de “Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes”, embasada juridicamente no Código Penal Brasileiro, dispunha sobre a prática de abortos no SUS em crianças de até 20 semanas (cinco meses) concebidas em estupro. Há também a possibilidade da prática para mulheres que correm risco de vida na gravidez ou em casos de má formação genética.
De acordo com Cláudia Prates, do movimento feminista gaúcho e representante da Marcha Mundial de Mulheres, essa norma ambém sofreu desvirtuamento na internet,  durante a campanha eleitoral. Ela critica a vulgarização do tema no debate eleitoral. Diz que este não é o momento para fazer a discussão. “O que está acontecendo é uma grande armadilha da direita conservadorista. Nenhuma mulher defende o aborto como método contraceptivo, porque também é uma forma de violência. Mas, sim, uma legalização da prática como um trabalho de sustentação aos direitos reprodutivos e sexuais da mulher”, afirma. E complementa: “é preciso atuar na prevenção da gravidez, mas dar condições sanitárias, caso surja uma gravidez indesejada, para que se evite as mortes de mulheres que abortam de forma caseira”, defende.
Ela alerta para o foco da ação, que é a prevenção da vida e não uma pregação à morte ou ao assassinato. “Queremos decidir sobre os nossos direitos sexuais e reprodutivos. Mas quando o estado ou as igrejas interferem nisso, acaba acontecendo o que acontece hoje. Várias mulheres morrem hoje porque não existe um acolhimento”, revela.
Claudia considera o debate como algo eleitoreiro e que estaria prejudicando apenas uma candidata. A mesma classificação fez o cientista político Ottmar Teske: “a minoria que faz isso na internet está espalhando inverdades e fazendo terrorismo. É muito mais fácil tu criticares alguém do que tu apresentares um projeto. Este é o tema que não pode ser pauta política, mas tem que ser encarado de frente no Brasil”, afirma.
Para ler e ver
Um texto e um vídeo ajudam a entender a discussão sobre o aborto que tomou conta da campanha eleitoral ao final do primeiro turno e persiste no início da campanha ao segundo turno. A Carta da Convenção das Assembleias de Deus no Brasil repudia as declarações que circulam pela internet. O vídeo gravado na 1ª Igreja Batista de Curitiba mostra os pastores incitando os fieis a não votar na petista Dilma Rousseff.

(*)Rachel Duarte é colunista do Sul 21, jornal virtual do Rio Grande do Sul.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Marina,... você se pintou?

Apesar deste texto já ter sido disponibilizado diversas vezes na internet resolvi reproduzí-lo neste espaço por achá-lo interessante.

Marina,... você se pintou?
MAURICIO ABDALA (*)

“Marina, morena Marina, você se pintou” – diz a canção de Caymmi. Mas é provável, Marina, que pintaram você. Era a candidata ideal: mulher, militante, ecológica e socialmente comprometida com o “grito da Terra e o grito dos pobres”, como diz Leonardo.

Dizem que escolheu o partido errado. Pode ser. Mas, por outro lado, o que é certo neste confuso tempo de partidos gelatinosos, de alianças surreais e de pragmatismo hiperbólico? Quem pode atirar a primeira pedra no que diz respeito a escolhas partidárias?

Mas ainda assim, Marina, sua candidatura estava fadada a não decolar. Não pela causa que defende, não pela grandeza de sua figura. Mas pelo fato de que as verdadeiras causas que afetam a população do Brasil não interessam aos financiadores de campanha, às elites e aos seus meios de comunicação. A batalha não era para ser sua. Era de Dilma contra Serra. Do governo Lula contra o governo do PSDB/DEM. Assim decidiram as “famiglias” que controlam a informação no país. E elas não só decidiram quem iria duelar, mas também quiseram definir o vencedor. O Estadão dixit: Serra deve ser eleito.

Mas a estratégia de reconduzir ao poder a velha aliança PSDB/DEM estava fazendo água. O povo insistia em confirmar não a sua preferência por Dilma, mas seu a preço pelo Lula. O que, é claro, se revertia em intenção de voto em sua candidata. Mas “os filhos das trevas são mais espertos do que os filhos da luz”. Sacaram da manga um ás escondido. Usar a Marina como trampolim para levar o tucano para o segundo turno e ganhar tempo para a guerra suja.

Marina, você, cujo coração é vermelho e verde, foi pintada de azul. “Azul tucano”. Deram-lhe o espaço que sua causa nunca teve, que sua luta junto aos seringueiros e contra as elites rurais jamais alcançaria nos grandes meios de comunicação. A Globo nunca esteve ao seu lado. A Veja, a FSP, O Estadão jamais se preocuparam com a ecologia profunda. Eles sempre foram, e ainda são, seus e nossos inimigos viscerais.

Mas a estratégia deu certo. Serra foi para o segundo turno, e a mídia não cansa de propagar a “vitória da Marina”. Não aceite esse presente de grego. Hão de descartá-la assim que você falar qual é exatamente a sua luta e contra quem ela se dirige.

“Marina, você faça tudo, mas faça o favor”: não deixe que a pintem de azul tucano. Sua história não permite isso. E não deixe que seus eleitores se iludam acreditando que você está mais perto de Serra do que de Dilma. Que não pensem que sua luta pode torná-la neutra ou que pensem que para você “tanto faz”. Que os percalços e dificuldades que você teve no Governo Lula não a façam esquecer os 8 anos de FHC e os 500 anos de domínio absoluto da Casagrande no país cuja maioria vive na senzala. Não deixe que pintem “esse rosto que o povo gosta, que gosta e é só dele”.

Dilma, admitamos, não é a candidata de nossos sonhos. Mas Serra o é de nossos mais terríveis pesadelos. Ajude-nos a enfrentá-lo. Você não precisa dos paparicos da elite brasileira e de seus meios de comunicação. “Marina, você já é bonita com o que Deus lhe deu”.

(*) Professor de Filosofia da UFES, autor de Iara e a Arca da Filosofia (Mercuryo Jovem), entre outros.



sexta-feira, 1 de outubro de 2010

The Independent


Former guerrilla Dilma Rousseff set to be the world's most powerful woman
(Ex-guerrilheira Dilma Rousseff definida para ser a mulher mais poderosa do mundo)
Brazil looks likely to elect an extraordinary leader next weekend
(Brasil parece estar pronto para eleger um líder extraordinário na próxima semana)


   Com a manchete e o título acima (com tradução apenas para entendimento) o jornal britânico The Independent em sua versão online publicou no final do mês de setembro uma reportagem sobre a candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, de autoria do jornalista Hugh O'Shaughnessy (há 40 anos escreve sobre assuntos da América Latina).

   O jornalista se referiu a ela como uma "ex-guerrilheira prestes a se tornar a mulher mais poderosa do mundo".

   "Como líder de Estado, a presidenta Dilma Rousseff superaria Angela Merkel, chanceler da Alemanha, e Hillary Clinton, secretária do Estado dos Estados Unidos: seu enorme país de 200 milhões de pessoas está festejando sua nova riqueza em petróleo", diz o texto. "A taxa de crescimento do Brasil, rivalizando com China, pode ser apenas invejada pela Europa e por Washington".

   A reportagem lembra o passado da candidata do PT na luta contra o estado de exceção vivido pelo Brasil durante a ditadura militar, período em que sofreu tortura e participou de guerrilha. Lembra, ainda, que Dilma se beneficia da estabilidade econômica vivida pelo País e dos grandes índices de popularidade do Presidente Lula.

   Nem mesmo os recentes fatos divulgados sobre irregularidades praticadas por assessores próximos conseguiram prejudicar a sua campanha.

    Segundo o Independent caso seja eleita no próximo dia 3 de outubro a petista será saudada por milhões e marcará o fim de um "estado de segurança nacional", um "acordo que os governos conservadores dos Estados Unidos e da Europa uma vez viram como o melhor artifício para limitar a democracia", mantendo boa parte da América Latina na pobreza, enquanto favorecia os países ricos."

   Este tipo de reportagem demonstra o quanto o Brasil avançou nas relações internacionais e caminha para se consolidar como potência mundial.

   Deixemos de lado o nosso complexo vira-latas e caminhemos firmes rumo a um futuro mais justo e promissor.