segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Agora, como antes; e lá, como cá.


A substituição de Arruda como candidato ao governo do Distrito Federal por sua esposa Flávia Arruda não é inédita e nem primazia de Brasília. Nas eleições de 2010, o então candidato Joaquim Roriz, ao apagar das luzes da campanha, surpreendeu a todos ao levar para os palanques de campanha a sua esposa Weslian do Perpétuo Socorro Peles Roriz, uma prendada dona de casa cuja experiência na política estava adstrita ao cargo de primeira-dama.
O eleitorado brasiliense estupefato assistia aos debates pela TV e perplexo negava-se a aceitar que em sã consciência Roriz tivesse empurrado sua esposa para a cova dos leões (leia-se, debates políticos com os outros postulantes ao cargo de governador do Distrito Federal). A frágil presença, os erros e deslizes primários cometidos pela candidata nestes eventos motivaram piadas e vídeos na internet. Em um comentário chegou a afirmar que se eleita ela seria a Governadora, mas Joaquim é que iria governar.
Agora, a situação não é muito diferente. O candidato Arruda, depois de sucessivas derrotas judiciais nos tribunais, que não reconhecem a legitimidade de sua candidatura, e restando-lhe um recurso ao Supremo Tribunal Federal, resolveu abdicar de concorrer ao cargo no último dia para substituições, apresentando o seu candidato à vice como cabeça de chapa e trazendo sua esposa, Flávia Arruda, para o posto de candidata a vice-governadora.  
Uma e outra jamais deixaram de apoiar seus respectivos gurus políticos em qualquer enrascada. Para Weslian, o patriarca dos Roriz sempre esteve com a razão, fosse qual fosse a situação.  Flávia, nos difíceis dias do cárcere de Arruda, após a perda do mandato de governador do Distrito Federal por improbidade, foi presença constante e solidária ao chefe do clã.
Fora do quadrilátero do Distrito Federal situações análogas se repetem. Em Mato Grosso e Roraima, velhos patriarcas da política, uma vez considerados fichas sujas, são substituídos pelas respectivas esposas, dando à politica um caráter de propriedade hereditária e subestimando o alcance da compreensão do eleitorado. Em Mato Grosso, acusado de desviar R$ 65,2 milhões dos cofres da Assembleia Legislativa, José Riva, impedido de concorrer, tenta eleger Janete Riva. Em Roraima, Suely Campos, esposa do ex-governador e hoje deputado Neudo Campos, apesar da experiência política de um mandato de deputada federal, tem contra ela a suspeita de vazamento de informação reservada quando integrou a CPI da Exploração Sexual. O Tribunal de Contas do Estado de Roraima abriu processo para investigar irregularidade na aplicação de recursos públicos contra ela enquanto primeira-dama do Estado.
         Em que pese a força dos recursos financeiros e o apelo à dramaticidade destas candidaturas a resposta do eleitorado de Brasília, Mato Grosso e Roraima deveria vir em forma de um basta à subjugação e ao desmando.      

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Os truques manjados do jornalismo denunciativo

Este pequeno texto do jornalista Leandro Fortes, que reproduzo do blog Viomundo, do jornalista Luiz Carlos Azenha, traz à discussão a sórdida maneira de informar utilizada por Veja. Informar sem se preocupar com a responsabilidade sobre a veracidade da noticia  é recorrente. Utilizar artifícios de imagem para produzir capas chocantes e apelativas demonstra necessidade de auto-afirmação.    

Os truques manjados do jornalismo denunciativo

Leandro Fortes(*)

publicado em 8 de setembro de 2014 às 1:57


VEJA PARA INICIANTES
Dei-me ao trabalho de macular minha manhã de domingo e ler a matéria da Veja sobre a tal delação premiada de Paulo Roberto da Costa, ex-diretor da Petrobras.
Como era de se esperar, o texto não tem nem uma mísera prova e está jogado naquele apagão de fontes que, desde 2003, caracteriza o jornalismo denunciativo de boa parte da mídia nacional.
A matéria elenca números e nomes sem que nenhum documento seja apresentado ao leitor, de forma a dar ao infeliz assinante uma mínima chance de acreditar naquilo que está escrito. Nada. Nem uma fotocópia do cabeçalho do inquérito da Polícia Federal.
O autor do texto, então, deve ter lançado mão de duas opções, ambas temerárias no ofício do jornalismo:
1) Teve a orelha emprenhada por uma fonte da PF – agente ou delegado – e decidiu publicar a matéria mesmo sem ter nenhuma prova de nada. Dada as circunstâncias da Veja e a maneira como seus repórteres ascendem dentro da revista, esse tipo de irresponsabilidade tanto é admirado quanto estimulado;
2) Inventou tudo, baseado em deduções, informações fragmentadas, desejos, ilusões e ordens do patrão.
No texto, uma longa e entediante sucessão de clichês morais, descobre-se lá pelas tantas que os depoimentos estão sendo gravados em vídeo e criptografados, para, assim, se evitar vazamentos.
Logo, é bem capaz que Veja, outra vez, faça esse tipo de denúncia sem que precise – nem se sinta pressionada a – jamais provar o que publicou. Exatamente como o grampo sem áudio entre o ministro Gilmar Mendes e o ex-mosqueteiro da ética Demóstenes Torres.
Novamente, o Frankstein jornalístico montado pela Veja visa, única e exclusivamente, atingir o PT às vésperas das eleições, a tal “bala de prata” que, desde as eleições de 2002, acaba sempre saindo pela culatra da velha e rabugenta mídia brasileira.
O esqueminha de repercussão, aliás, continua o mesmo: sai na Veja, escorre para o Jornal Nacional e segue pela rede de esgoto dos jornalões diretamente para as penas alugadas de uma triste tropa de colunistas.
Embrulhado o pacote, os suspeitos de sempre da oposição se revezam em manifestações indignadas e em pedidos de CPI.
Uma ópera bufa que se repete como um disco arranhado.

Mas é o que restou à combalida Editora Abril, depois que a candidatura de Aécio Neves morreu junto com Eduardo Campos naquele trágico desastre de avião.

http://www.viomundo.com.br/denuncias/leandro-fortes-os-truques-manjados-jornalismo-denunciativo.html


Leia também:


(*)Leandro Fortes é jornalista, professor e escritor brasileiro. Trabalhou como escritor para o Jornal do Brasil, Zero Hora, O Globo, Correio Braziliense, Estado de S. Paulo e Revista Época.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

O combate ao crime hediondo


Este é um tema recorrente e que divide opiniões. Em qualquer estrato social, independente da religião e do nível de instrução, dá panos para manga. Mesmo havendo divergência do Direito na forma de aplicação das penas, o assunto é pautado em todo o mundo civilizado. Os recorrentes episódios de estupro coletivo na Índia, o caso do médico Roger Abdelmassih e as bestialidades dos pedófilos em todo mundo, são indicadores da necessidade de uma revisão mais acurada da legislação brasileira que trata do tema. E o Congresso Nacional não pode fazer vista grossa e postergar o assunto às futuras legislaturas sob pena de evidenciar que os senhores legisladores não têm compromisso com os problemas da sociedade e do País como um todo. Para mim, a castração química não deve ser voluntária e sim decorrente da pena imposta pelo juízo que a arbitrou.
Assim, replico o texto abaixo do jurista e professor universitário Walter Maierovitch, publicado originalmente na CartaCapital.

O combate ao crime hediondo
De como a castração química entra na pauta da punição a estupradores e pedófilos
por Wálter Maierovitch — publicado 04/09/2014 06:24

Por influência de Cesare Beccaria, autor do opúsculo Dos Delitos e das Penas (1764), iniciou-se a humanização do Direito Penal. Recentemente, por sugestão da Itália e proposta da Alemanha, conseguiu-se na ONU, com resistência dos EUA e da China, uma moratória à pena de morte. No âmbito da União Europeia fixou-se, para os Estados membros, o prazo máximo de 30 anos para cumprimento de pena. No mundo ocidental, muitos Estados Nacionais jurisdicionalizaram a execução criminal, restando ao Executivo a competência administrativa relativa à expiação da pena: construções de presídios e gerenciamentos consoante a legislação e as regras mínimas da ONU para o trato penitenciário.
Com toda essa evolução, o título judiciário condenatório em execução passou a ser mutável e inspirado na regra romana dorebus sic stantibus (estando as coisas de tal forma). Assim, admite-se a progressão do regime fechado a outro melhor, o resgate da pena por dias de trabalho, as saídas temporárias, o trabalho externo, tudo sem prejuízo do livramento condicional e dos benefícios da anistia, graça e indulto. Mais ainda, retirou-se da pena o componente da vingança, trocado por uma finalidade ética voltada à emenda, ressocialização e reinserção social.
De se observar, no entanto, que nessa evolução, muitas vezes, a sociedade viu-se desprotegida diante de graves e hediondos crimes, como, no Brasil, ocorreu no escandaloso caso do médico Roger Abdelmassih, 48 estupros de pacientes que se apresentaram à Polícia Judiciária, 278 anos de prisão por sentença ainda não definitiva e diversas investigações por manipulações de embriões, a dar inveja, se verdadeiras as suspeitas, a Josef Mengele, médico nazista falecido e enterrado no Brasil e apelidado de O Monstro da Segunda Guerra.
Internacionalmente, cabe destaque o escândalo dos padres pedófilos, que a Igreja Católica procurou encobrir durante um longo arco de tempo.
Diante da escalada de estupros e de pedofilia, abriu-se amplo debate na Europa e nos EUA sobre a castração química voluntária (não obrigatória) de condenados. Enquanto europeus ressuscitaram Beccaria e levantaram os problemas da irreversibilidade do efeito da castração química e o da finalidade reeducativa da pena (o salus animarum, no Direito Canônico), nos EUA adotou-se a castração voluntária com vista à possibilidade de reincidência e para a proteção de crianças (pedofilia) e mulheres (estupro). Assim como o Doutor Jekill criou uma poção para ingerir e gerar em si próprio o demoníaco criminoso Mister Hyde, partiu-se, com a castração, pela busca de um “Viagra” às avessas, a inibir os hediondos crimes de pedofilia e estupro.
Os debates se agitaram quando se pensou em benefícios como progressões a regime aberto, livramento condicional. Enfim, na volta ao convívio social de condenado por crime sexual grave e revelador de periculosidade latente. Acrescenta-se a existência de confiáveis levantamentos a revelar porcentual elevado de reincidência específica.
Nos EUA, a castração química voluntária foi adotada preventivamente em oito estados para casos de pedofilia. A escolha colocada ao condenado em fase de cumprimento da pena carcerária principal mostra-se cruel: intervenção farmacológica de bloqueio androgênico com possibilidade de liberação, ou internação psicoterapêutica por tempo indeterminado. Na Grã-Bretanha, por meio da Sarah’s Law, aplica-se a castração química a requerimento de pedófilo já condenado.
Na França, a legislação mira no pedófilo que, como escolha, pode optar, depois de cumprida a condenação principal e ao iniciar a sanção acessória, pela castração química ou pela internação hospitalar.
A Corte Constitucional da Alemanha, com base em direitos inalienáveis da pessoa humana e por considerar a castração química irreversível, decidiu pela proibição. Dessa maneira, a única medida legal admitida é a da terapia intensiva para o condenado ou, preventivamente, ao potencial agressor.
Essa decisão influenciou a Espanha e não vingou, até por forte pressão do Vaticano, o projeto italiano de obrigatoriedade de castração química. Ele vigoraria para autores de crimes sexuais que, saídos do regime fechado e a requerimento, pretendessem ingressar, para o cumprimento do restante da pena, em regime aberto ou prisão domiciliar. O projeto original sofreu emenda da Liga Norte, partido direitista e já separatista (hoje se diz federalista). Pela emenda leghista, motivada por um crime escabroso (Pasquale Modestino, 53 anos, violentara uma menina de 12), o juiz contaria com poderes para determinar a castração química durante todo o tempo de encarceramento.
Pano rápido. Ainda não existe certeza se o uso permanente de fármacos inibidores pode ou não comprometer a integridade corporal de modo irreversível.