sexta-feira, 5 de setembro de 2014

O combate ao crime hediondo


Este é um tema recorrente e que divide opiniões. Em qualquer estrato social, independente da religião e do nível de instrução, dá panos para manga. Mesmo havendo divergência do Direito na forma de aplicação das penas, o assunto é pautado em todo o mundo civilizado. Os recorrentes episódios de estupro coletivo na Índia, o caso do médico Roger Abdelmassih e as bestialidades dos pedófilos em todo mundo, são indicadores da necessidade de uma revisão mais acurada da legislação brasileira que trata do tema. E o Congresso Nacional não pode fazer vista grossa e postergar o assunto às futuras legislaturas sob pena de evidenciar que os senhores legisladores não têm compromisso com os problemas da sociedade e do País como um todo. Para mim, a castração química não deve ser voluntária e sim decorrente da pena imposta pelo juízo que a arbitrou.
Assim, replico o texto abaixo do jurista e professor universitário Walter Maierovitch, publicado originalmente na CartaCapital.

O combate ao crime hediondo
De como a castração química entra na pauta da punição a estupradores e pedófilos
por Wálter Maierovitch — publicado 04/09/2014 06:24

Por influência de Cesare Beccaria, autor do opúsculo Dos Delitos e das Penas (1764), iniciou-se a humanização do Direito Penal. Recentemente, por sugestão da Itália e proposta da Alemanha, conseguiu-se na ONU, com resistência dos EUA e da China, uma moratória à pena de morte. No âmbito da União Europeia fixou-se, para os Estados membros, o prazo máximo de 30 anos para cumprimento de pena. No mundo ocidental, muitos Estados Nacionais jurisdicionalizaram a execução criminal, restando ao Executivo a competência administrativa relativa à expiação da pena: construções de presídios e gerenciamentos consoante a legislação e as regras mínimas da ONU para o trato penitenciário.
Com toda essa evolução, o título judiciário condenatório em execução passou a ser mutável e inspirado na regra romana dorebus sic stantibus (estando as coisas de tal forma). Assim, admite-se a progressão do regime fechado a outro melhor, o resgate da pena por dias de trabalho, as saídas temporárias, o trabalho externo, tudo sem prejuízo do livramento condicional e dos benefícios da anistia, graça e indulto. Mais ainda, retirou-se da pena o componente da vingança, trocado por uma finalidade ética voltada à emenda, ressocialização e reinserção social.
De se observar, no entanto, que nessa evolução, muitas vezes, a sociedade viu-se desprotegida diante de graves e hediondos crimes, como, no Brasil, ocorreu no escandaloso caso do médico Roger Abdelmassih, 48 estupros de pacientes que se apresentaram à Polícia Judiciária, 278 anos de prisão por sentença ainda não definitiva e diversas investigações por manipulações de embriões, a dar inveja, se verdadeiras as suspeitas, a Josef Mengele, médico nazista falecido e enterrado no Brasil e apelidado de O Monstro da Segunda Guerra.
Internacionalmente, cabe destaque o escândalo dos padres pedófilos, que a Igreja Católica procurou encobrir durante um longo arco de tempo.
Diante da escalada de estupros e de pedofilia, abriu-se amplo debate na Europa e nos EUA sobre a castração química voluntária (não obrigatória) de condenados. Enquanto europeus ressuscitaram Beccaria e levantaram os problemas da irreversibilidade do efeito da castração química e o da finalidade reeducativa da pena (o salus animarum, no Direito Canônico), nos EUA adotou-se a castração voluntária com vista à possibilidade de reincidência e para a proteção de crianças (pedofilia) e mulheres (estupro). Assim como o Doutor Jekill criou uma poção para ingerir e gerar em si próprio o demoníaco criminoso Mister Hyde, partiu-se, com a castração, pela busca de um “Viagra” às avessas, a inibir os hediondos crimes de pedofilia e estupro.
Os debates se agitaram quando se pensou em benefícios como progressões a regime aberto, livramento condicional. Enfim, na volta ao convívio social de condenado por crime sexual grave e revelador de periculosidade latente. Acrescenta-se a existência de confiáveis levantamentos a revelar porcentual elevado de reincidência específica.
Nos EUA, a castração química voluntária foi adotada preventivamente em oito estados para casos de pedofilia. A escolha colocada ao condenado em fase de cumprimento da pena carcerária principal mostra-se cruel: intervenção farmacológica de bloqueio androgênico com possibilidade de liberação, ou internação psicoterapêutica por tempo indeterminado. Na Grã-Bretanha, por meio da Sarah’s Law, aplica-se a castração química a requerimento de pedófilo já condenado.
Na França, a legislação mira no pedófilo que, como escolha, pode optar, depois de cumprida a condenação principal e ao iniciar a sanção acessória, pela castração química ou pela internação hospitalar.
A Corte Constitucional da Alemanha, com base em direitos inalienáveis da pessoa humana e por considerar a castração química irreversível, decidiu pela proibição. Dessa maneira, a única medida legal admitida é a da terapia intensiva para o condenado ou, preventivamente, ao potencial agressor.
Essa decisão influenciou a Espanha e não vingou, até por forte pressão do Vaticano, o projeto italiano de obrigatoriedade de castração química. Ele vigoraria para autores de crimes sexuais que, saídos do regime fechado e a requerimento, pretendessem ingressar, para o cumprimento do restante da pena, em regime aberto ou prisão domiciliar. O projeto original sofreu emenda da Liga Norte, partido direitista e já separatista (hoje se diz federalista). Pela emenda leghista, motivada por um crime escabroso (Pasquale Modestino, 53 anos, violentara uma menina de 12), o juiz contaria com poderes para determinar a castração química durante todo o tempo de encarceramento.
Pano rápido. Ainda não existe certeza se o uso permanente de fármacos inibidores pode ou não comprometer a integridade corporal de modo irreversível.



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