Este é um tema recorrente e que divide
opiniões. Em qualquer estrato social, independente da religião e do nível de
instrução, dá panos para manga. Mesmo havendo divergência do Direito na forma
de aplicação das penas, o assunto é pautado em todo o mundo civilizado. Os
recorrentes episódios de estupro coletivo na Índia, o caso do médico
Roger Abdelmassih e as
bestialidades dos pedófilos em todo mundo, são indicadores da necessidade de uma
revisão mais acurada da legislação brasileira que trata do tema. E o Congresso
Nacional não pode fazer vista grossa e postergar o assunto às futuras
legislaturas sob pena de evidenciar que os senhores legisladores não têm
compromisso com os problemas da sociedade e do País como um todo. Para mim, a castração química não deve ser voluntária e
sim decorrente da pena imposta pelo juízo que a arbitrou.
Assim, replico o texto abaixo do jurista e professor universitário
Walter Maierovitch, publicado originalmente na CartaCapital.
O combate ao crime hediondo
De como a castração química entra na pauta da punição a estupradores e
pedófilos
Por influência de Cesare Beccaria, autor
do opúsculo Dos Delitos e das
Penas (1764), iniciou-se a
humanização do Direito Penal. Recentemente, por sugestão da Itália e proposta
da Alemanha, conseguiu-se na ONU, com resistência dos EUA e da China, uma
moratória à pena de morte. No âmbito da União Europeia fixou-se, para os
Estados membros, o prazo máximo de 30 anos para cumprimento de pena. No mundo
ocidental, muitos Estados Nacionais jurisdicionalizaram a execução criminal,
restando ao Executivo a competência administrativa relativa à expiação da pena:
construções de presídios e gerenciamentos consoante a legislação e as regras
mínimas da ONU para o trato penitenciário.
Com
toda essa evolução, o título judiciário condenatório em execução passou a ser
mutável e inspirado na regra romana dorebus sic stantibus (estando as coisas de tal forma). Assim,
admite-se a progressão do regime fechado a outro melhor, o resgate da pena por
dias de trabalho, as saídas temporárias, o trabalho externo, tudo sem prejuízo
do livramento condicional e dos benefícios da anistia, graça e indulto. Mais
ainda, retirou-se da pena o componente da vingança, trocado por uma finalidade
ética voltada à emenda, ressocialização e reinserção social.
De se
observar, no entanto, que nessa evolução, muitas vezes, a sociedade viu-se
desprotegida diante de graves e hediondos crimes, como, no Brasil, ocorreu no
escandaloso caso do médico Roger Abdelmassih, 48 estupros de pacientes que se
apresentaram à Polícia Judiciária, 278 anos de prisão por sentença ainda não
definitiva e diversas investigações por manipulações de embriões, a dar inveja,
se verdadeiras as suspeitas, a Josef Mengele, médico nazista falecido e
enterrado no Brasil e apelidado de O Monstro da Segunda Guerra.
Internacionalmente, cabe destaque o
escândalo dos padres pedófilos, que a Igreja Católica procurou encobrir durante
um longo arco de tempo.
Diante
da escalada de estupros e de pedofilia, abriu-se amplo debate na
Europa e nos EUA sobre a castração química voluntária (não obrigatória) de
condenados. Enquanto europeus ressuscitaram Beccaria e levantaram os problemas
da irreversibilidade do efeito da castração química e o da finalidade
reeducativa da pena (o salus animarum, no Direito Canônico), nos EUA adotou-se
a castração voluntária com vista à possibilidade de reincidência e para a proteção
de crianças (pedofilia) e mulheres (estupro). Assim como o Doutor Jekill criou
uma poção para ingerir e gerar em si próprio o demoníaco criminoso Mister Hyde,
partiu-se, com a castração, pela busca de um “Viagra” às avessas, a inibir os
hediondos crimes de pedofilia e estupro.
Os
debates se agitaram quando se pensou em benefícios como progressões a regime
aberto, livramento condicional. Enfim, na volta ao convívio social de condenado
por crime sexual grave e revelador de periculosidade latente. Acrescenta-se a
existência de confiáveis levantamentos a revelar porcentual elevado de
reincidência específica.
Nos EUA, a castração química voluntária
foi adotada preventivamente em oito estados para casos de pedofilia. A escolha
colocada ao condenado em fase de cumprimento da pena carcerária principal
mostra-se cruel: intervenção farmacológica de bloqueio androgênico com
possibilidade de liberação, ou internação psicoterapêutica por tempo
indeterminado. Na Grã-Bretanha, por meio da Sarah’s Law, aplica-se a castração
química a requerimento de pedófilo já condenado.
Na
França, a legislação mira no pedófilo que, como escolha, pode optar, depois de
cumprida a condenação principal e ao iniciar a sanção acessória, pela castração
química ou pela internação hospitalar.
A Corte
Constitucional da Alemanha, com base em direitos inalienáveis da pessoa humana
e por considerar a castração química irreversível, decidiu pela proibição.
Dessa maneira, a única medida legal admitida é a da terapia intensiva para o
condenado ou, preventivamente, ao potencial agressor.
Essa
decisão influenciou a Espanha e não vingou, até por forte pressão do Vaticano,
o projeto italiano de obrigatoriedade de castração química. Ele vigoraria para
autores de crimes sexuais que, saídos do regime fechado e a requerimento,
pretendessem ingressar, para o cumprimento do restante da pena, em regime
aberto ou prisão domiciliar. O projeto original sofreu emenda da Liga Norte,
partido direitista e já separatista (hoje se diz federalista). Pela emenda leghista, motivada por um crime escabroso
(Pasquale Modestino, 53 anos, violentara uma menina de 12), o juiz contaria com
poderes para determinar a castração química durante todo o tempo de
encarceramento.
Pano
rápido. Ainda não existe certeza se o uso permanente de fármacos inibidores
pode ou não comprometer a integridade corporal de modo irreversível.
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