A pobreza que mina grande parte da população brasileira não escolhe entre trabalhadores empregados e desempregados. O desemprego assombra famílias e puxa as estatísticas do mercado de trabalho para índices estratosféricos e desanimadores. Ao contrário do que esperavam os especialistas e os políticos, a Reforma Trabalhista não alavancou o emprego, criou instabilidade, minou as forças das representações sindicais, enfim, não produziu nada de positivo para a classe trabalhadora e, como consequência. não melhorou os índices do governo. Um fiasco.
Neste artigo abaixo, a doutora, professora e economista Flávia Vinhaes¹, aborda o tema sob um título sugestivo e instigante que reproduzo aqui.
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Ela entrou no ônibus pela
porta de trás, com um bebê de poucos meses enrolado ao seu corpo, carregava
numa mão uma sacola infantil; na outra, uma caixa de barrinhas de cereal para
vender. E repetindo a fala corriqueira dos ambulantes que vendem pequenezas nos
transportes públicos das grandes cidades, enfatizou que não queria incomodar,
mas precisava comprar leite para o seu filho e pedia que ajudássemos
comprando-lhe as barrinhas.
A personagem ilustrada no
parágrafo anterior é uma trabalhadora por conta própria, assim está classificada
nas estatísticas sociais de mercado de trabalho. O que sua condição nos mostra
é que a pobreza e a exclusão social não estão associadas, apenas, ao
desemprego, em particular o de longa duração. Há uma ampla evidência de que a
falta de trabalho causa pobreza e consequentemente o trabalho é visto como o
maior antídoto a ela, entretanto, estar no mercado de trabalho já não é
garantia suficiente de uma vida decente para o trabalhador e sua família.
Cresce, em vários países, a
pobreza entre as pessoas ocupadas. Esse fenômeno encontra suas principais
causas numa combinação de fatores, tais como, o trabalho mal remunerado, a
instabilidade no emprego, o regressivo sistema tributário, a fragilidade da
representação sindical, a subocupação por insuficiência de horas trabalhadas e
a ausência de creches públicas onde as mães possam deixar seus filhos para
retornarem ao mercado de trabalho.
Em 2017, a pobreza alcançou
26% da população brasileira, se utilizada a linha internacional de pobreza do
Banco Mundial de US$ 5,5 PPP (paridade do poder aquisitivo) ao dia – algo em
torno de R$ 400,00 por mês – que leva em conta a renda média e o nível de
desenvolvimento do país. Entre os trabalhadores, esse percentual chegou a 16%,
ou seja, essa era a proporção de pessoas que, mesmo trabalhando, não tinham
rendimento suciente para ultrapassar a linha de pobreza. Este indicador é
ainda mais dramático quando falamos de jovens trabalhadores ou de trabalhadores
de cor preta ou parda, dentre os quais a privação é ainda mais intensa.
Sem nenhuma dúvida o
primeiro passo em direção à erradicação da pobreza é a criação de mais e
melhores empregos. As várias formas de relações de trabalho que fogem ao
contrato tradicional, característico de mercados mais estruturados em setores
mais produtivos e organizados da sociedade, figuram agora na nova CLT. Os
contratos “on-call” ou “zero-hora”, no qual o trabalhador só recebe remuneração
pelo período em que prestou o serviço e se prestou o serviço, apresentam graves
problemas na organização laboral com forte impacto social na medida em que
reduzem as contribuições previdenciárias e os direitos trabalhistas. Segundo o
Ministério do Trabalho, em maio de 2018, 10% do emprego criado com carteira de
trabalho, foi sob este tipo de contrato.
A expansão do emprego sem
carteira e do trabalho por conta própria, da ordem de 2,2 milhões de pessoas,
entre 2015 e 2018, e a queda dos vínculos com carteira, em aproximadamente 3,4
milhões de trabalhadores no mesmo período, não parecem apontar para a melhora
nas condições de trabalho e para a minimização do risco dos baixos salários.
A queda mais persistente das
taxas de pobreza e extrema pobreza no país, entre 2004 e 2014, muito se deveu à
melhora no mercado laboral, em termos de geração de postos, formalização dos
vínculos e crescimento real do salário mínimo. Essas políticas, somadas aos
programas federal e estadual de transferência de renda, foram imprescindíveis
na busca por uma sociedade mais justa e igualitária.
Ao próximo governo caberá,
mais uma vez, o enfrentamento do desemprego, em especial o de jovens, mas
também o de mulheres responsáveis pelo domicílio, melhorando a estabilidade no
emprego de forma a romper o ciclo “low-pay, no-pay” de trabalhadores que
oscilam entre os baixos salários e o desemprego, se perpetuando na condição de
pobreza.
¹Doutora
em Economia/UFRJ; professora da Universidade Candido Mendes; integrante do
Conselho Regional de Economia (Corecon-RJ).
Jornal do Brasil, Opinião,
20.8.2018, pág. 8