quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Centenário de Nascimento de BELIZÁRIO DE ÁVILA FERREIRA 8 de outubro de 1925 – baiano de nascimento e piauiense de coração.


Bahia

Em outubro de 1925, diferente dos anos anteriores, o Rio São Francisco, considerando as chuvas ocorridas no final de setembro nas Minas Gerais, apresentava um volume expressivo de água. O movimento das embarcações com cargas e passageiros no cais de Xique-Xique demostrava a importância comercial da cidade para a margem direita do médio São Francisco, bem como para as cidades do sopé Norte da Chapada Diamantina.

Na tarde quente do dia 8, a jovem modista de 16 anos, Belaura Miranda, já em trabalho de parto, contava os minutos para o nascimento do primogênito, fruto do seu casamento com José de Ávila Ferreira, rapaz de múltiplas aptidões. Antes do cair da noite, nasceu um menino grande e rosado, com traços da família materna. Um legitimo bodeiro, como eram conhecidos os Miranda de Oliveira. Deram-lhe o nome de Belizário, com o sobrenome “de Ávila Ferreira” mantendo a tradição familiar de nomear os primogênitos de cada descendente do imigrante português, José de Ávila Ferreira, trisavô do recém-nascido.

A família cresceu com o nascimento de mais seis filhos do casal (Maria, Guilherme, Braz, Angélica, João e Antônia). Não tardou para que Zé de Ávila mudasse da cidade de Xique-Xique, levando toda a família, para Santo Inácio, distrito de Gentio do Ouro, potencialmente rico na exploração de diamante. A população flutuante no garimpo, a precariedade e ausência de profissional fixo da Saúde naquele distrito, os conflitos e as mazelas humanas, despertaram a curiosidade e o interesse de Zé de Ávila pelas Ciências Médicas. Com bom senso e de posse de um Dicionário de Medicina Popular, do doutor Chernoviz – presente de um cirurgião judeu que estivera por um tempo nos garimpos da Chapada – passou a cuidar das enfermidades mais endêmicas da microrregião diamantífera.

Estudioso e com grande senso de responsabilidade, impôs aos filhos a importância da educação por um futuro melhor. A viuvez prematura o fez desdobrar-se no zelo com a família. Enquanto se dedicava em cuidar da saúde daqueles acometidos por males diversos, via os filhos se interessar pelas atividades do garimpo. Atividades estas que iam do corte do cascalho à comercialização dos produtos.

Aos poucos a produção diamantífera na região foi reduzida e já não era interessante os custos com a atividade garimpeira. O cascalho estava cada vez mais profundo. Poucos e obstinados garimpeiros, que dependiam exclusivamente do garimpo como forma de subsistência, penavam carregando sacos de cascalho retirados dos depósitos de sedimentos deixados pelo fluxo de água nas escarpas das serras e levando-os até o leito dos riachos para a bateção e a lavagem.

À noite, na praça principal de Santo Inácio, era comum, nas rodas de conversas entre moradores, a propagação de novidades. E foi numa noite desta que Zé de Ávila ficou sabendo da descoberta de um novo garimpo de diamantes na região sul do Piauí. Um grupo de garimpeiros, na maioria solteiros, fazia planos para empreender viagem já na semana vindoura. O trajeto, impreterivelmente, teria a cidade da Barra como ponto de referência. De lá deveriam entrar no Piauí passando por Santa Rita de Cássia e adentrando as catingas rumo a Parnaguá. Para os pioneiros do trajeto as dificuldades seriam vencidas com informações dos moradores e, assim, chegariam até o município de Gilbués, onde a exploração do diamante já era uma realidade.

No dia seguinte durante o almoço da família, Zé de Ávila quis saber a opinião dos filhos Belizário, Guilherme e Braz quanto ao interesse de conhecerem o recém-descoberto garimpo no Piauí, considerando o momento nada promissor da garimpagem em Santo Inácio e região. Pediu, também, a opinião de Maria, já casada, sobre o período em que ficariam ausentes e ela assumiria o comando dos irmãos mais novos, Angélica, João e Antônia. O assunto não era uma decisão, mas uma troca de opiniões. A partir de então, a ideia foi sendo encorpada e as conversas mais amiudadas sobre a questão.  

A Saga

            As notícias chegadas do Piauí eram animadoras. Cartas recebidas por parentes daqueles que já se aventuraram no novo garimpo diziam das dificuldades encontradas na viagem, mas também do quão promissor parecia ser o novo garimpo. O espírito bandeirante do garimpeiro falou mais alto. Zé de Ávila deu início aos preparativos para a jornada, que incialmente tinha mais o aspecto de exploração e conhecimento do que de uma mudança definitiva. Seu cunhado Manoel de Oliveira, mais conhecido nos garimpos como Mané Bodeiro, ficou entusiasmado com a possibilidade de se juntar ao cunhado e aos sobrinhos na empreitada. Entretanto, por uns compromissos assumidos em Gentio de Ouro, não pode se juntar ao grupo. Pediu ao cunhado que tão logo chegasse no Piauí, aproveitasse a viagem de algum tropeiro vindo para a cidade da Barra e mandasse carta com as impressões sobre o novo garimpo.

            Os preparativos para a viagem passavam por provisões básicas como manta de carne seca, ossada de carne seca, tapioca, farinha, rapadura e feijão de arranca muito popular nos garimpos baianos. As economias reservadas há anos eram fundamentais para a jornada e o estabelecimento, se fosse o caso, no novo garimpo.

            O percurso entre Santo Inácio e a cidade da Barra era por demais conhecido pelos viajantes. Durante o trajeto, em casa de amigos, explicavam a melhor forma encontrada para fazer a travessia da Barra até a região do novo garimpo. Na localidade Lago D’água, de propriedade da família Justiniano de Sousa, fizeram uma parada para um almoço oferecido pelo pai de Odesino (Dedé Saudoso). A conversa despertou o interesse de Dedé em seguir com a família de Zé de Ávila, mas de forma temperante o patriarca dos Justiniano fez ponderações que adiaram temporariamente mais um êxodo para o desconhecido sul do Piauí.

            Aproveitando o clarão da Lua saíram da cidade da Barra subindo o Rio Grande pela margem esquerda. Caminharam com as matulas e os sacos de roupa amarrados as costas, parando apenas para beber água nas veredas e riachos. O Sol se punha quando as vistas alcançaram umas casas. Tomaram chegada em uma delas, a maior, e cumprimentaram o morador que estava sentado à porta. Explicaram sobre a viagem e perguntaram se era possível arranchar por ali. O morador indicou uma área aberta vizinha da casa para colocarem as coisas. Indicou o rio, aproximadamente a 500 metros, para um banho dos viajantes. Depois do banho, comeram rapadura com farinha e carne seca. Extenuados os irmãos Guilherme e Braz adormeceram logo. Belizário acompanhou o pai, a convite do morador, para um cafezinho e uma prosa. A conversa durou até Zé de Ávila dizer que precisava descansar para enfrentar a jornada do dia seguinte. Antes, porém perguntou:

- Como é o nome deste lugar e qual a distância para a cidade da Barra?

- Aqui é Santo Antônio. Fica, aproximadamente, a oito léguas e meia da cidade, respondeu o morador.

O sol ainda não estava no céu quando retomaram a caminhada. O objetivo era chegar ao encontro dos rios Grande e Preto. Mais uma vez, o objetivo traçado foi cumprido. Ao final do dia, arrancharam ao lado da Cerca de Pedras, na região do Pontal, divisa dos municípios de Barra e Mansidão.

No quinto dia estavam em Santa Rita de Cássia. Encontraram ali conhecidos que retornavam do garimpo de Gilbués para buscar familiares na Bahia e davam informações positivas acerca da exploração diamantífera no novo garimpo. Já era uma realidade. Aproveitaram o dia para descansar e para fazer compras de mantimentos.  Em um dos sacos com mantimentos que era carregado por Guilherme, algo chamou a atenção de Zé de Ávila. As rapaduras serentas que haviam sido colocadas no saco junto à farinha começaram a derreter formando uma capa na rapadura. Então, Zé de Ávila, de forma artesanal começou a retirar pedacinhos das capas das rapaduras e dar-lhes formas de pequenas pílulas, colocando-as para secar e endurecer. Doravante, até chegar ao destino, quando se deparava com alguém acometido por gripe e dor de cabeça, indicava o uso das pílulas pela manhã e à noite. O certo é que a fé cura, pois suas pílulas fizeram sucesso por onde passou.

Orientados por moradores da cidade de Santa Rita de Cássia o roteiro, apesar de um poco mais longe, deveria ser pela região conhecida como Golfos e daí até a cidade de Parnaguá. A viagem, considerando o cansaço, já não rendia como no início. Trechos que poderiam ser vencidos em dois dias só eram completados em três dias. Mesmo assim não havia espaço para desmotivação. No penúltimo dia da viagem pernoitaram na localidade Enseada. Saíram ao amanhecer e no meio da tarde chegaram a Gilbués. Logo encontraram conterrâneos que se apressaram em indicar o melhor local para improvisar um rancho. À noite, depois de um banho de brejo mais que necessário, saíram na companhia de outros garimpeiros, já moradores, para conhecer a cidade e visitar conterrâneos. Na oportunidade ficaram sabendo que novas e promissoras minas foram recém-descobertas nas grotas de aluvião perto da cidade.

O Garimpo

A notícia da descoberta de veios de cascalho propagou-se com um fogo em campo seco. A cidade de Gilbués recebia um número expressivo de garimpeiros e aventureiros todos os dias vindos do próprio Estado, de Pernambuco, do Maranhão e, principalmente, da Bahia. A população da cidade cresceu e incomodou aos gentios. Uma ordem foi baixada pelo Município proibindo a construção de tendas, abrigos e casas improvisadas. Em resposta, a massa de garimpeiros arribou com seus pertences para instalar-se nas margens das grotas de aluvião. Os ranchos de palha e lona foram construídos acompanhando os veios das grotas. Em pouco tempo, a comunidade já contava com número de moradores superior ao da sede do município. Os primeiros moradores instalados no garimpo deram-lhe o nome de Monte Alegre, em referência a irregularidade do terreno e à alegria contagiante de quem bamburrava. E todos estavam bamburrando fosse no garimpo, nas biroscas, nas feiras improvisadas. Como em Santo Inácio, na Bahia, que tem o Morro do Cruzeiro, denominaram a rua de entrada da comunidade como Rua do Cruzeiro.

O orgulho de ser parte do nascimento e crescimento de uma comunidade era característico dos moradores. As construções definitivas apareciam numa velocidade impressionante. As olarias não tinham condições de atender à demanda. Fabricantes de adobe cavavam barreiros e enformavam tijolos. Pessoas com experiência na construção de paredes de enchimentos deixavam de atender às empreitas pelo expressivo número de interessados. Os assentamentos se multiplicavam e se estendiam em novas povoações como Serrinha e Cachoeira. Os estabelecimentos comerciais, precariamente instalados, fervilhavam e indicavam a necessidade de diversificação do ramo comercial.

Os filhos de Zé de Ávila, orientados por ele, faziam parte da massa de garimpeiros que todos os dias desciam as grotas em busca de cascalho. Cada um à sua maneira procurava fazer no garimpo o melhor. Belizário, economizava mais que o necessário. Dispensava as noitadas regadas a aguardente e vermutes. Logo, com as economias do seu trabalho no garimpo, resolveu colocar por conta uma dupla de garimpeiros, prática que manteve por longos anos e assim teve mais tempo para dedicar-se a outras atividades do comércio.

Nos fins de semana que se seguiram, após pagar o labor da dupla e fazer a feira para a próxima semana, separava a produção em lotes e saia à procura de compradores para os lotes de menor qualidade, guardando as melhores pedras no piquá para eventuais necessidades pessoais e da família. Rapidamente, destacou-se entre seus pares pela polidez e maneiras na convivência diária. Apesar da pouca idade, em pouco tempo tornou-se referência para os migrantes baianos.

O surgimento dos garimpos de Boqueirão e de São Dimas aumentou a migração de outras estados para o município de Gilbués, fortalecendo a necessidade da participação mais efetiva dos migrantes na política. Era importante criar novas relações com lideranças do Estado e ao mesmo tempo se contrapor aos caciques da política local. A baianada aderiu em massa à UDN, uma vez que o PSD era historicamente dominante na política local.

De comum acordo com Belizário, Zé de Ávila, retorna a Santo Inácio com o objetivo de buscar os três filhos menores que estavam sob os cuidados de Maria. Desta vez, faz a viagem pela estrada de rodagem que ligava Corrente a Barreiras. O novo trajeto tinha também o objetivo de rever o amigo Martiniano, radicado em Formosa do Rio Preto, proprietário de uma hospedaria e, também, de comércio de secos e molhados. De Formosa do Rio Preto desceu de balsa o rio até Santa Rita de Cássia. Ao chegar à cidade da Barra escreve a Belizário dando notícias, informando de providências, além de recomendar tratamento distinto a Martiniano, em caso da ida deste ao garimpo. Infelizmente, esta foi a última carta de Zé de Ávila que faleceu logo depois sem retornar ao garimpo.

Na eleição municipal de 1950, em Gilbués, duas chapas concorrem aos cargos de prefeito, vice e vereador. Em maior número de candidatos a vereadores a chapa da UDN, formada na grande maioria por migrantes que se radicaram nos povoados de Monte Alegre e Boqueirão, sagrou-se vencedora demonstrando a unidade do povo dos garimpos.

Belizário entrava de vez na política como liderança de um segmento até então marginalizado. O papel da vereança naqueles idos se limitava a ter acesso ao prefeito e às lideranças políticas do Estado. Participou efetivamente, junto com outros baianos residentes no garimpo do Boqueirão, da criação da Loja Maçônica de Gilbués sendo admitido como membro da Maçonaria.

A criação de Monte Alegre – ainda não emancipado – deveu-se em muito a participação de vereadores do quadriênio 1950-1954, da Câmara Municipal de Gilbués. Reuniões eram organizadas em Monte Alegre tendo como objetivo viabilizar a emancipação do município, considerando seu potencial e sua arrecadação de impostos para os cofres públicos. Houve, desde as primeiras tentativas de discutir o assunto na Câmara Municipal uma forte rejeição à proposta, haja vista que em caso de concretização da mesma, a perda de arrecadação seria substantiva. Mas, por mais absurdo que pareça, o assunto era simpático a lideranças políticas tradicionais de Gilbués que vislumbravam mais possibilidades para se manterem na política do novo município.

No pleito seguinte, em 1954, o governo estadual, do PSD, investiu pesado na política de Gilbués e foi majoritário na eleição de seus candidatos. Há que se considerar a não participação das neolideranças do recém-criado Monte Alegre do Piauí, já em processo de emancipação. Por este tempo, Belizário, durante o casamento de Ecy (Dó) Guerra com Socorro Corado, começou a crescer os olhos para sua futura esposa, Milce Lemos Rosal. Não foi feliz nas primeiras investidas, mas longe de desistir procurava chamar a atenção da moça. Em viagens a Corrente, onde a moça estudava, procurava cortejá-la. Era comum naqueles tempos a eleição de rainhas e princesas das escolas. Os votos eram contabilizados pelo valor da doação. Ganhava quem conseguia a maior arrecadação em moeda corrente. Como seus tios Dó e Ady residiam em Gilbués e Monte Alegre, respectivamente, ela e outras colegas aproveitaram para visitar as localidades. Em Monte Alegre, ao desembarcarem na rua Baiana sob tiros de canhão Adrianino, muito comum nos garimpos para anunciar uma novidade, Belizário abriu o Livro de Ouro e fez uma contribuição cujo valor não foi ultrapassado por outro valor durante o concurso. A partir deste dia Milce começou a pensar na possibilidade de namoro.

A emancipação municipal ocorreu com a nomeação de Herculano Andrade Negrão, seu Dunda, ao cargo de prefeito municipal de Monte Alegre do Piauí, pelo então prefeito de Gilbués, Dr. Álvaro Melo, para um mandato de seis meses. Após o mandato tampão de Herculano, há um vácuo na documentação eleitoral e a possibilidade mais plausível é que o novo prefeito do município, o seu vice e os vereadores tenham sido eleitos de forma indireta, com a participação e sob forte influência do prefeito de Gilbués, Álvaro Melo, do PSD, e do seu vice, Antônio da Cunha Lustosa. Assim, para o mandato de 1956-1958, tomam posse em meados de dezembro de 1955, Elias Torres Guimarães, do PSD, como prefeito municipal e seu vice-prefeito, Belizário de Ávila Ferreira, da UDN. A Câmara Municipal era composta por cinco vereadores, três do PSD, e dois da UDN, com Belizário acumulando os cargos de vice prefeito e vereador.

Em dezembro de 1955, ao retornar de Corrente para as férias de final de ano, Milce resolve ficar uns dias na casa de Ady e Daysa – recém-chegada de Remanso. Uma noite Belizário chegou e em conversa com Ady manifestou o interesse em casar-se com Milce. Ele era um bom partido em um lugarejo onde os rapazes viviam na boemia e na esbórnia, modo de vida peculiar as comunidades garimpeiras. Ady chamou Milce e perguntou o que achava do interesse de Belizário em contrair núpcias com ela. Disse apenas que era, também, de seu gosto. Ady disse a Belizário que na ausência de Eunice, viúva mãe da moça, consentia com o noivado e o casamento. Assim, no outro dia, Ady e Belizário foram ao Cartório de Gilbués para dar entrada nos papéis dos noivos. Dez dias depois, tempo suficiente para a prendada noiva preparar o enxoval, foram casar-se em Gilbués, acompanhados de alguns amigos do noivo e da família da noiva. O casamento foi realizado na residência de Helena Lustosa e Mundico Corado. Registro a informação de Daysa Guerra, do quanto elegante, em um terno de linho branco, estava o noivo. Já em outubro de 1956, nasce o primogênito, José Milton (in memoriam).

Aplica as economias feitas no garimpo em uma extensa área de terra, composta de chapada e baixões, denominada Saquinho, própria à criação de gado, e em outra pequena área no município de Gilbués, Bom Jardim. Visitava esporadicamente estas propriedades, mas sua atenção estava mais dirigida à Fazenda Saquinho. 

Na primeira eleição municipal com a participação do eleitorado montealegrense, em 1958, Belizário tem a maior votação entre os candidatos a vereador pelos partidos PSD e UDN. Usa o mandato com temperança e faz o papel de interlocutor entre seus pares e o prefeito. Evita embates e conquista simpatia de adversários. O prefeito eleito, com o tempo, passa a não ser acessível o quanto todos esperavam dele. A oposição cresce e começa um movimento de apelo popular com ênfase na valorização de um candidato filho da terra. Então em uma jogada de mestre, Amando Gomes, prefeito e liderança da UDN, para assegurar que faria seu sucessor e considerando o crescimento pessoal e político de Belizário, lança-o como seu candidato à sucessão. Ao fazer isso, ele pavimentou apoio das famílias Guerra e Martins, dominadoras da política da região de Paus e propriedades dos Guerra, tios e mãe da esposa de candidato lançado. Para assegurar o apoio dos Martins, sugere o nome de Lulu Martins candidato a vice-prefeito.

A eleição de 1962, em Monte Alegre do Piauí, com um eleitorado menor que o de 1958, em função das primeiras migrações para Brasília, foi uma eleição tranquila e Belizário foi eleito prefeito municipal. Ao assumir o mandato o casal Belizário e Milce já tinha outros dois meninos, Carlos Alberto (in memoriam) e Roberthson Elmy, o Berão.  Naquele tempo as prefeituras recebiam parcas verbas que mal cobriam os custos da administração. O garimpo já não era uma fonte de arrecadação confiável. Para realizar melhorias nas estradas municipais, todas carroçáveis, e construir pontes rústicas de madeira, era necessário ir à capital “de pires na mão” e contar com a boa vontade de um deputado para fazer a intermediação. Mesmo assim, Belizário construiu o novo e central Mercado Municipal e a Cadeia Pública. No meio do mandato ocorre a Revolução Militar que limitou as movimentações políticas com a cassação de parlamentares estaduais e federais, dificultando a captação de recursos para novos empreendimentos. Despede-se da política municipal fazendo o seu sucessor nas eleições gerais de 1966.

Ao finalizar o mandato em 1966, agora com a família crescida com o nascimento de Belizário Jr. e Belaura Eunice, vê o município a cada dia mais minguado com o êxodo maciço de seus habitantes das zonas rural e urbana para o planalto central. Vê como iminente uma nova mudança, recorda-se do pai e dos seus ensinamentos de que o homem deve procurar melhoras enquanto há tempo. Sabe que a mudança não será fácil. Terá que deixar de lado o conforto da casa espaçosa, deixar os irmãos e enfrentar outra realidade. Mas precisava tentar. Não iria de mãos abanando, este propósito ele tinha!

Brasília – Novos desafios

 Vendeu alguns bens móveis e imóveis e investiu naquilo que lhe parecia mais lógico e possível pelo conhecimento adquirido, o comércio de tecidos e afins. Comprou o ponto, uma esquina na comercial da Quadra 8, formou estoque e passou o comando a sua cunhada Milde, que ficaria por aqui para tocar o negócio enquanto ele voltaria ao Piauí e aguardaria notícias do empreendimento. Como as notícias recebidas eram animadoras, em meados de 1967 ele veio para ficar, deixando Milce e os meninos em Monte Alegre. Assim que colocasse as coisas no rumo mandaria buscar todos. No início de 1968, aproveitando que seu cunhado Celso iria ao Piauí, aproveitou para encarrega-lo de trazer Milce & Cia., uma vez que, tinha certeza, não era uma tarefa fácil e nem para qualquer pessoa. A viagem foi longa e difícil. Atoleiros, chuvas torrenciais, trechos em jipes e outros em ônibus (sem um mínimo de conforto), mas todos acreditando que seria o melhor.

Ao chegar em Brasília, a família foi acomodada em um barraco de madeira, na Quadra 9, moradia típica de Brasília até a década de 1970. Era um mundo novo e diferente a desbravar. Belizário já havia desistido do comércio de tecidos e abrira no mesmo ponto da loja o famoso e tradicional Bar Ávila, ponto de encontro aos sábados e domingos dos migrantes do garimpo de Monte Alegre do Piaui. O assunto era a cidade e os amigos que ficaram por lá. Poucos anos depois, a família mudou-se para o barracão de tijolos no Conjunto G da Quadra 10. Por este tempo, nasce o caçula, Paulo Sobrinho. A casa de Belizário e Milce parecia não ter portas. Além de acolher pessoas da família que buscavam tratamento de saúde em Brasília era como se fosse um albergue sempre disponível a acolher alguém, a ajudar a quem chegava em Brasília precisando de orientação e acompanhamento. Era comum aos domingos, no almoço, servir arroz, feijão, macarrão e três capões adquiridos na feira da Quadra 8. A mesa era apenas para cada um fazer seu prato. De prato feito, cada um procurava um lugar para sentar-se. E todos comiam bem!

No final de 1971, dois fatores contribuíram para Belizário dar uma guinada nos negócios. A despesa com a casa e a disponibilidade de um tipo de mão-de-obra necessária de ocupação: os garimpeiros migrantes de Monte Alegre do Piauí. Primeiro, avisou a Oséias, fiel amigo desde os tempos da Bahia, que ele seria o responsável pelo funcionamento do bar se um pensamento que ele estava colocando em prática vingasse. Em breve ele criou a Motege (Movimentos de Terra em Geral) em sociedade com seu amigo Sunito (Davi Soares). Assim, alavancou sua renda e ocupou a mão-de-obra disponível. Um dos primeiros e marcantes trabalhos da Motege foi a escavação dos tubulões para os alicerces do Ginásio Esportivo Presidente Médici (hoje, Nilson Nelson). Diversos edifícios do Setor Bancário Norte tiveram seus tubulões de fundação escavados pela Motege, assim como as valas para passagens de cabos do Aeroporto de Brasília. A firma foi extinta assim que Belizário completou o tempo de contribuição para o INSS.

Em 1978/79, depois da morte do filho Carlos Alberto, retorna ao Piauí e utilizando os recursos naturais da Fazenda Saquinho, com mecanização básica, dá início a fabricação de um tipo de telha até então desconhecido na região. De coloração esbranquiçada, com uma calha mais larga e longa o produto tem ótima aceitação no meio. Entretanto, a produção é obrigada a diminuir por falta de construções novas na cidade e a dificuldade logística de fazer chegar a outras praças. Enquanto via o negócio minguar, recebe uma proposta irrecusável pelas terras da Fazenda Saquinho. Demora a acreditar que seja real. O comprador era sério e queria uma resposta logo. Fechou negócio e, outra vez, retorna a Brasília.

Passa a dedicar o seu tempo à construção da nova residência da família, uma casa ampla, arejada, confortável e de portas largas, como não poderia deixar de ser. Pronta, era a casa de todos que ali chegavam. Ele era incapaz de demonstrar cansaço ou irritação com o burburinho da casa. Conversas que varavam a noite, regadas a bebidas e música. Ele estava presente até quando tivesse interesse no assunto. Se não havia interesse, saía de fininho e se recolhia em seu quarto. Estava sempre de bem com a vida e a vida com ele.

Nasce a primeira neta, Belisa, filha de Belizário Jr., que o faz permitir tudo que ela quisesse fazer. Com os filhos de José Milton, não foi diferente, e ele passava seus fins de semana na casa do filho paparicando as crianças. Finalmente, chegam os outros netos, filhos de Roberthson e de Belaura. Conviveu com todos os sete netos. Os bisnetos, ele não teve a graça de conhecer.    

Seu filho Berão, convence-o a voltar a trabalhar com o comércio e lhe propõe uma sociedade. Abrem uma loja de ferramentas profissionais e equipamentos industriais. O negócio evolui e possibilita uma ampliação. Entretanto, a sociedade sofre um revés por ações que fogem ao controle dos sócios. Imediatamente, resolvem liquidar o estoque, vender o ponto e investir no Piauí, em outro ramo completamente diferente. Na Fazenda Estreito, com mais um sócio, implantam um sistema de confinamento de bovinos para abate. Recuperam pastos, plantam cana-de-açúcar, instalam alambique e adquirem novas áreas no vale do Paraim. Belizário estava completamente integrado à vida rural. Vinha em Brasília esporadicamente. Preferia a paz, o sossego e a tranquilidade de poder dormir ao anoitecer e acordar ainda escuro para tomar uma caneca de leite diretamente do peito da vaca, um gole de café e uns tragos do cigarro partido ao meio como ele gostava. Infelizmente, acometido de privações intestinais teve que voltar a Brasília na busca do restabelecimento da saúde. Aos poucos, dias antes de completar seus 80 anos, em 25 de setembro de 2005, Belizário, seu Bili, Zalo, pai Zau (como eu o chamava), nos deixou.

Era um sujeito de boa prosa e de hábitos simples. Uma vez, perguntei se ele não tinha vontade de viajar até Santo Inácio para matar a saudade. Ele me respondeu com um caso simbólico. Lembrou que havia um lugar próximo a Santo Inácio que era extremamente seco. Muito seco. No período chuvoso apresentava a melhor produção de melancias, este lugar era conhecido como Lago D’água, E arrematava cutucando o meu braço:

- Um lago que não tinha água. Mas se você for comigo, podemos marcar a viagem. Não marcamos. Não fomos e ele não retornou a Santo Inácio.

Hoje, 100 anos de nascimento de Belizário de Ávila Ferreira e primeiro ano de vida do seu bisneto mais novo, João Gabriel, filho da sua primeira neta, como se a vida, em sua infinita sabedoria tivesse escolhido esta data para reafirmar que a vida e o legado de Belizário não se encerram com o tempo, mas renascem em cada nova geração.

Assim, nesta data, duplamente significativa, celebramos a lembrança de quem partiu e, também, a esperança que se renova com outra vida.

Jorge Luiz Alencar Guerra

4 comentários: