Bahia
Em
outubro de 1925, diferente dos anos anteriores, o Rio São Francisco,
considerando as chuvas ocorridas no final de setembro nas Minas Gerais, apresentava
um volume expressivo de água. O movimento das embarcações com cargas e
passageiros no cais de Xique-Xique demostrava a importância comercial da cidade
para a margem direita do médio São Francisco, bem como para as cidades do sopé
Norte da Chapada Diamantina.
Na
tarde quente do dia 8, a jovem modista de 16 anos, Belaura Miranda, já em
trabalho de parto, contava os minutos para o nascimento do primogênito, fruto
do seu casamento com José de Ávila Ferreira, rapaz de múltiplas aptidões. Antes
do cair da noite, nasceu um menino grande e rosado, com traços da família
materna. Um legitimo bodeiro, como eram conhecidos os Miranda de Oliveira.
Deram-lhe o nome de Belizário, com o sobrenome “de Ávila Ferreira” mantendo a
tradição familiar de nomear os primogênitos de cada descendente do imigrante
português, José de Ávila Ferreira, trisavô do recém-nascido.
A
família cresceu com o nascimento de mais seis filhos do casal (Maria, Guilherme,
Braz, Angélica, João e Antônia). Não tardou para que Zé de Ávila mudasse da
cidade de Xique-Xique, levando toda a família, para Santo Inácio, distrito de
Gentio do Ouro, potencialmente rico na exploração de diamante. A população
flutuante no garimpo, a precariedade e ausência de profissional fixo da Saúde
naquele distrito, os conflitos e as mazelas humanas, despertaram a curiosidade
e o interesse de Zé de Ávila pelas Ciências Médicas. Com bom senso e de posse
de um Dicionário de Medicina Popular, do doutor Chernoviz – presente
de um cirurgião judeu que estivera por um tempo nos garimpos da Chapada – passou
a cuidar das enfermidades mais endêmicas da microrregião diamantífera.
Estudioso
e com grande senso de responsabilidade, impôs aos filhos a importância da
educação por um futuro melhor. A viuvez prematura o fez desdobrar-se no zelo
com a família. Enquanto se dedicava em cuidar da saúde daqueles acometidos por
males diversos, via os filhos se interessar pelas atividades do garimpo.
Atividades estas que iam do corte do cascalho à comercialização dos produtos.
Aos
poucos a produção diamantífera na região foi reduzida e já não era interessante
os custos com a atividade garimpeira. O cascalho estava cada vez mais profundo.
Poucos e obstinados garimpeiros, que dependiam exclusivamente do garimpo como
forma de subsistência, penavam carregando sacos de cascalho retirados dos
depósitos de sedimentos deixados pelo fluxo de água nas escarpas das serras e
levando-os até o leito dos riachos para a bateção e a lavagem.
À
noite, na praça principal de Santo Inácio, era comum, nas rodas de conversas
entre moradores, a propagação de novidades. E foi numa noite desta que Zé de
Ávila ficou sabendo da descoberta de um novo garimpo de diamantes na região sul
do Piauí. Um grupo de garimpeiros, na maioria solteiros, fazia planos para
empreender viagem já na semana vindoura. O trajeto, impreterivelmente, teria a
cidade da Barra como ponto de referência. De lá deveriam entrar no Piauí
passando por Santa Rita de Cássia e adentrando as catingas rumo a Parnaguá.
Para os pioneiros do trajeto as dificuldades seriam vencidas com informações
dos moradores e, assim, chegariam até o município de Gilbués, onde a exploração
do diamante já era uma realidade.
No
dia seguinte durante o almoço da família, Zé de Ávila quis saber a opinião dos
filhos Belizário, Guilherme e Braz quanto ao interesse de conhecerem o
recém-descoberto garimpo no Piauí, considerando o momento nada promissor da
garimpagem em Santo Inácio e região. Pediu, também, a opinião de Maria, já
casada, sobre o período em que ficariam ausentes e ela assumiria o comando dos
irmãos mais novos, Angélica, João e Antônia. O assunto não era uma decisão, mas
uma troca de opiniões. A partir de então, a ideia foi sendo encorpada e as
conversas mais amiudadas sobre a questão.
A
Saga
As notícias chegadas do Piauí eram
animadoras. Cartas recebidas por parentes daqueles que já se aventuraram no
novo garimpo diziam das dificuldades encontradas na viagem, mas também do quão
promissor parecia ser o novo garimpo. O espírito bandeirante do garimpeiro
falou mais alto. Zé de Ávila deu início aos preparativos para a jornada, que
incialmente tinha mais o aspecto de exploração e conhecimento do que de uma
mudança definitiva. Seu cunhado Manoel de Oliveira, mais conhecido nos garimpos
como Mané Bodeiro, ficou entusiasmado com a possibilidade de se juntar ao
cunhado e aos sobrinhos na empreitada. Entretanto, por uns compromissos
assumidos em Gentio de Ouro, não pode se juntar ao grupo. Pediu ao cunhado que
tão logo chegasse no Piauí, aproveitasse a viagem de algum tropeiro vindo para
a cidade da Barra e mandasse carta com as impressões sobre o novo garimpo.
Os preparativos para a viagem
passavam por provisões básicas como manta de carne seca, ossada de carne seca, tapioca,
farinha, rapadura e feijão de arranca muito popular nos garimpos baianos. As
economias reservadas há anos eram fundamentais para a jornada e o estabelecimento,
se fosse o caso, no novo garimpo.
O percurso entre Santo Inácio e a
cidade da Barra era por demais conhecido pelos viajantes. Durante o trajeto, em
casa de amigos, explicavam a melhor forma encontrada para fazer a travessia da
Barra até a região do novo garimpo. Na localidade Lago D’água, de propriedade da
família Justiniano de Sousa, fizeram uma parada para um almoço oferecido pelo
pai de Odesino (Dedé Saudoso). A conversa despertou o interesse de Dedé em
seguir com a família de Zé de Ávila, mas de forma temperante o patriarca dos
Justiniano fez ponderações que adiaram temporariamente mais um êxodo para o
desconhecido sul do Piauí.
Aproveitando o clarão da Lua saíram
da cidade da Barra subindo o Rio Grande pela margem esquerda. Caminharam com as
matulas e os sacos de roupa amarrados as costas, parando apenas para beber água
nas veredas e riachos. O Sol se punha quando as vistas alcançaram umas casas.
Tomaram chegada em uma delas, a maior, e cumprimentaram o morador que estava
sentado à porta. Explicaram sobre a viagem e perguntaram se era possível
arranchar por ali. O morador indicou uma área aberta vizinha da casa para
colocarem as coisas. Indicou o rio, aproximadamente a 500 metros, para um banho
dos viajantes. Depois do banho, comeram rapadura com farinha e carne seca.
Extenuados os irmãos Guilherme e Braz adormeceram logo. Belizário acompanhou o
pai, a convite do morador, para um cafezinho e uma prosa. A conversa durou até
Zé de Ávila dizer que precisava descansar para enfrentar a jornada do dia
seguinte. Antes, porém perguntou:
-
Como é o nome deste lugar e qual a distância para a cidade da Barra?
-
Aqui é Santo Antônio. Fica, aproximadamente, a oito léguas e meia da cidade,
respondeu o morador.
O
sol ainda não estava no céu quando retomaram a caminhada. O objetivo era chegar
ao encontro dos rios Grande e Preto. Mais uma vez, o objetivo traçado foi
cumprido. Ao final do dia, arrancharam ao lado da Cerca de Pedras, na região do
Pontal, divisa dos municípios de Barra e Mansidão.
No
quinto dia estavam em Santa Rita de Cássia. Encontraram ali conhecidos que
retornavam do garimpo de Gilbués para buscar familiares na Bahia e davam
informações positivas acerca da exploração diamantífera no novo garimpo. Já era
uma realidade. Aproveitaram o dia para descansar e para fazer compras de
mantimentos. Em um dos sacos com
mantimentos que era carregado por Guilherme, algo chamou a atenção de Zé de
Ávila. As rapaduras serentas que haviam sido colocadas no saco junto à farinha
começaram a derreter formando uma capa na rapadura. Então, Zé de Ávila, de
forma artesanal começou a retirar pedacinhos das capas das rapaduras e dar-lhes
formas de pequenas pílulas, colocando-as para secar e endurecer. Doravante, até
chegar ao destino, quando se deparava com alguém acometido por gripe e dor de
cabeça, indicava o uso das pílulas pela manhã e à noite. O certo é que a fé
cura, pois suas pílulas fizeram sucesso por onde passou.
Orientados
por moradores da cidade de Santa Rita de Cássia o roteiro, apesar de um poco
mais longe, deveria ser pela região conhecida como Golfos e daí até a cidade de
Parnaguá. A viagem, considerando o cansaço, já não rendia como no início.
Trechos que poderiam ser vencidos em dois dias só eram completados em três
dias. Mesmo assim não havia espaço para desmotivação. No penúltimo dia da
viagem pernoitaram na localidade Enseada. Saíram ao amanhecer e no meio da
tarde chegaram a Gilbués. Logo encontraram conterrâneos que se apressaram em
indicar o melhor local para improvisar um rancho. À noite, depois de um banho
de brejo mais que necessário, saíram na companhia de outros garimpeiros, já
moradores, para conhecer a cidade e visitar conterrâneos. Na oportunidade
ficaram sabendo que novas e promissoras minas foram recém-descobertas nas
grotas de aluvião perto da cidade.
O Garimpo
A
notícia da descoberta de veios de cascalho propagou-se com um fogo em campo
seco. A cidade de Gilbués recebia um número expressivo de garimpeiros e
aventureiros todos os dias vindos do próprio Estado, de Pernambuco, do Maranhão
e, principalmente, da Bahia. A população da cidade cresceu e incomodou aos gentios.
Uma ordem foi baixada pelo Município proibindo a construção de tendas, abrigos
e casas improvisadas. Em resposta, a massa de garimpeiros arribou com seus
pertences para instalar-se nas margens das grotas de aluvião. Os ranchos de
palha e lona foram construídos acompanhando os veios das grotas. Em pouco
tempo, a comunidade já contava com número de moradores superior ao da sede do
município. Os primeiros moradores instalados no garimpo deram-lhe o nome de
Monte Alegre, em referência a irregularidade do terreno e à alegria contagiante
de quem bamburrava. E todos estavam bamburrando fosse no garimpo, nas biroscas,
nas feiras improvisadas. Como em Santo Inácio, na Bahia, que tem o Morro do
Cruzeiro, denominaram a rua de entrada da comunidade como Rua do Cruzeiro.
O
orgulho de ser parte do nascimento e crescimento de uma comunidade era
característico dos moradores. As construções definitivas apareciam numa
velocidade impressionante. As olarias não tinham condições de atender à
demanda. Fabricantes de adobe cavavam barreiros e enformavam tijolos. Pessoas
com experiência na construção de paredes de enchimentos deixavam de atender às
empreitas pelo expressivo número de interessados. Os assentamentos se
multiplicavam e se estendiam em novas povoações como Serrinha e Cachoeira. Os
estabelecimentos comerciais, precariamente instalados, fervilhavam e indicavam
a necessidade de diversificação do ramo comercial.
Os
filhos de Zé de Ávila, orientados por ele, faziam parte da massa de garimpeiros
que todos os dias desciam as grotas em busca de cascalho. Cada um à sua maneira
procurava fazer no garimpo o melhor. Belizário, economizava mais que o
necessário. Dispensava as noitadas regadas a aguardente e vermutes. Logo, com
as economias do seu trabalho no garimpo, resolveu colocar por conta uma dupla
de garimpeiros, prática que manteve por longos anos e assim teve mais tempo
para dedicar-se a outras atividades do comércio.
Nos
fins de semana que se seguiram, após pagar o labor da dupla e fazer a feira
para a próxima semana, separava a produção em lotes e saia à procura de
compradores para os lotes de menor qualidade, guardando as melhores pedras no piquá
para eventuais necessidades pessoais e da família. Rapidamente, destacou-se
entre seus pares pela polidez e maneiras na convivência diária. Apesar da pouca
idade, em pouco tempo tornou-se referência para os migrantes baianos.
O
surgimento dos garimpos de Boqueirão e de São Dimas aumentou a migração de
outras estados para o município de Gilbués, fortalecendo a necessidade da
participação mais efetiva dos migrantes na política. Era importante criar novas
relações com lideranças do Estado e ao mesmo tempo se contrapor aos caciques da
política local. A baianada aderiu em massa à UDN, uma vez que o PSD era
historicamente dominante na política local.
De
comum acordo com Belizário, Zé de Ávila, retorna a Santo Inácio com o objetivo
de buscar os três filhos menores que estavam sob os cuidados de Maria. Desta
vez, faz a viagem pela estrada de rodagem que ligava Corrente a Barreiras. O
novo trajeto tinha também o objetivo de rever o amigo Martiniano, radicado em
Formosa do Rio Preto, proprietário de uma hospedaria e, também, de comércio de
secos e molhados. De Formosa do Rio Preto desceu de balsa o rio até Santa Rita
de Cássia. Ao chegar à cidade da Barra escreve a Belizário dando notícias,
informando de providências, além de recomendar tratamento distinto a
Martiniano, em caso da ida deste ao garimpo. Infelizmente, esta foi a última
carta de Zé de Ávila que faleceu logo depois sem retornar ao garimpo.
Na
eleição municipal de 1950, em Gilbués, duas chapas concorrem aos cargos de
prefeito, vice e vereador. Em maior número de candidatos a vereadores a chapa
da UDN, formada na grande maioria por migrantes que se radicaram nos povoados
de Monte Alegre e Boqueirão, sagrou-se vencedora demonstrando a unidade do povo
dos garimpos.
Belizário
entrava de vez na política como liderança de um segmento até então
marginalizado. O papel da vereança naqueles idos se limitava a ter acesso ao
prefeito e às lideranças políticas do Estado. Participou efetivamente, junto
com outros baianos residentes no garimpo do Boqueirão, da criação da Loja
Maçônica de Gilbués sendo admitido como membro da Maçonaria.
A
criação de Monte Alegre – ainda não emancipado – deveu-se em muito a
participação de vereadores do quadriênio 1950-1954, da Câmara Municipal de
Gilbués. Reuniões eram organizadas em Monte Alegre tendo como objetivo
viabilizar a emancipação do município, considerando seu potencial e sua
arrecadação de impostos para os cofres públicos. Houve, desde as primeiras
tentativas de discutir o assunto na Câmara Municipal uma forte rejeição à
proposta, haja vista que em caso de concretização da mesma, a perda de
arrecadação seria substantiva. Mas, por mais absurdo que pareça, o assunto era
simpático a lideranças políticas tradicionais de Gilbués que vislumbravam mais
possibilidades para se manterem na política do novo município.
No
pleito seguinte, em 1954, o governo estadual, do PSD, investiu pesado na política
de Gilbués e foi majoritário na eleição de seus candidatos. Há que se
considerar a não participação das neolideranças do recém-criado Monte Alegre do
Piauí, já em processo de emancipação. Por este tempo, Belizário, durante o
casamento de Ecy (Dó) Guerra com Socorro Corado, começou a crescer os olhos
para sua futura esposa, Milce Lemos Rosal. Não foi feliz nas primeiras
investidas, mas longe de desistir procurava chamar a atenção da moça. Em
viagens a Corrente, onde a moça estudava, procurava cortejá-la. Era comum
naqueles tempos a eleição de rainhas e princesas das escolas. Os votos eram
contabilizados pelo valor da doação. Ganhava quem conseguia a maior arrecadação
em moeda corrente. Como seus tios Dó e Ady residiam em Gilbués e Monte Alegre,
respectivamente, ela e outras colegas aproveitaram para visitar as localidades.
Em Monte Alegre, ao desembarcarem na rua Baiana sob tiros de canhão Adrianino,
muito comum nos garimpos para anunciar uma novidade, Belizário abriu o Livro de
Ouro e fez uma contribuição cujo valor não foi ultrapassado por outro valor durante
o concurso. A partir deste dia Milce começou a pensar na possibilidade de
namoro.
A
emancipação municipal ocorreu com a nomeação de Herculano Andrade Negrão, seu
Dunda, ao cargo de prefeito municipal de Monte Alegre do Piauí, pelo então
prefeito de Gilbués, Dr. Álvaro Melo, para um mandato de seis meses. Após o
mandato tampão de Herculano, há um vácuo na documentação eleitoral e a
possibilidade mais plausível é que o novo prefeito do município, o seu vice e
os vereadores tenham sido eleitos de forma indireta, com a participação e sob
forte influência do prefeito de Gilbués, Álvaro Melo, do PSD, e do seu vice,
Antônio da Cunha Lustosa. Assim, para o mandato de 1956-1958, tomam posse em
meados de dezembro de 1955, Elias Torres Guimarães, do PSD, como prefeito
municipal e seu vice-prefeito, Belizário de Ávila Ferreira, da UDN. A Câmara
Municipal era composta por cinco vereadores, três do PSD, e dois da UDN, com
Belizário acumulando os cargos de vice prefeito e vereador.
Em
dezembro de 1955, ao retornar de Corrente para as férias de final de ano, Milce
resolve ficar uns dias na casa de Ady e Daysa – recém-chegada de Remanso. Uma
noite Belizário chegou e em conversa com Ady manifestou o interesse em casar-se
com Milce. Ele era um bom partido em um lugarejo onde os rapazes viviam na
boemia e na esbórnia, modo de vida peculiar as comunidades garimpeiras. Ady
chamou Milce e perguntou o que achava do interesse de Belizário em contrair
núpcias com ela. Disse apenas que era, também, de seu gosto. Ady disse a
Belizário que na ausência de Eunice, viúva mãe da moça, consentia com o noivado
e o casamento. Assim, no outro dia, Ady e Belizário foram ao Cartório de
Gilbués para dar entrada nos papéis dos noivos. Dez dias depois, tempo
suficiente para a prendada noiva preparar o enxoval, foram casar-se em Gilbués,
acompanhados de alguns amigos do noivo e da família da noiva. O casamento foi
realizado na residência de Helena Lustosa e Mundico Corado. Registro a
informação de Daysa Guerra, do quanto elegante, em um terno de linho branco,
estava o noivo. Já em outubro de 1956, nasce o primogênito, José Milton (in
memoriam).
Aplica
as economias feitas no garimpo em uma extensa área de terra, composta de
chapada e baixões, denominada Saquinho, própria à criação de gado, e em outra
pequena área no município de Gilbués, Bom Jardim. Visitava esporadicamente
estas propriedades, mas sua atenção estava mais dirigida à Fazenda
Saquinho.
Na
primeira eleição municipal com a participação do eleitorado montealegrense, em
1958, Belizário tem a maior votação entre os candidatos a vereador pelos
partidos PSD e UDN. Usa o mandato com temperança e faz o papel de interlocutor
entre seus pares e o prefeito. Evita embates e conquista simpatia de
adversários. O prefeito eleito, com o tempo, passa a não ser acessível o quanto
todos esperavam dele. A oposição cresce e começa um movimento de apelo popular
com ênfase na valorização de um candidato filho da terra. Então em uma jogada
de mestre, Amando Gomes, prefeito e liderança da UDN, para assegurar que faria
seu sucessor e considerando o crescimento pessoal e político de Belizário,
lança-o como seu candidato à sucessão. Ao fazer isso, ele pavimentou apoio das
famílias Guerra e Martins, dominadoras da política da região de Paus e
propriedades dos Guerra, tios e mãe da esposa de candidato lançado. Para
assegurar o apoio dos Martins, sugere o nome de Lulu Martins candidato a
vice-prefeito.
A
eleição de 1962, em Monte Alegre do Piauí, com um eleitorado menor que o de
1958, em função das primeiras migrações para Brasília, foi uma eleição
tranquila e Belizário foi eleito prefeito municipal. Ao assumir o mandato o
casal Belizário e Milce já tinha outros dois meninos, Carlos Alberto (in
memoriam) e Roberthson Elmy, o Berão. Naquele tempo as prefeituras recebiam parcas
verbas que mal cobriam os custos da administração. O garimpo já não era uma
fonte de arrecadação confiável. Para realizar melhorias nas estradas
municipais, todas carroçáveis, e construir pontes rústicas de madeira, era
necessário ir à capital “de pires na mão” e contar com a boa vontade de um
deputado para fazer a intermediação. Mesmo assim, Belizário construiu o novo e
central Mercado Municipal e a Cadeia Pública. No meio do mandato ocorre a
Revolução Militar que limitou as movimentações políticas com a cassação de
parlamentares estaduais e federais, dificultando a captação de recursos para
novos empreendimentos. Despede-se da política municipal fazendo o seu sucessor
nas eleições gerais de 1966.
Ao
finalizar o mandato em 1966, agora com a família crescida com o nascimento de
Belizário Jr. e Belaura Eunice, vê o município a cada dia mais minguado com o
êxodo maciço de seus habitantes das zonas rural e urbana para o planalto
central. Vê como iminente uma nova mudança, recorda-se do pai e dos seus
ensinamentos de que o homem deve procurar melhoras enquanto há tempo. Sabe que
a mudança não será fácil. Terá que deixar de lado o conforto da casa espaçosa,
deixar os irmãos e enfrentar outra realidade. Mas precisava tentar. Não iria de
mãos abanando, este propósito ele tinha!
Brasília – Novos desafios
Vendeu alguns bens móveis e imóveis e investiu
naquilo que lhe parecia mais lógico e possível pelo conhecimento adquirido, o
comércio de tecidos e afins. Comprou o ponto, uma esquina na comercial da
Quadra 8, formou estoque e passou o comando a sua cunhada Milde, que ficaria
por aqui para tocar o negócio enquanto ele voltaria ao Piauí e aguardaria
notícias do empreendimento. Como as notícias recebidas eram animadoras, em
meados de 1967 ele veio para ficar, deixando Milce e os meninos em Monte
Alegre. Assim que colocasse as coisas no rumo mandaria buscar todos. No início
de 1968, aproveitando que seu cunhado Celso iria ao Piauí, aproveitou para
encarrega-lo de trazer Milce & Cia., uma vez que, tinha certeza, não era
uma tarefa fácil e nem para qualquer pessoa. A viagem foi longa e difícil.
Atoleiros, chuvas torrenciais, trechos em jipes e outros em ônibus (sem um
mínimo de conforto), mas todos acreditando que seria o melhor.
Ao
chegar em Brasília, a família foi acomodada em um barraco de madeira, na Quadra
9, moradia típica de Brasília até a década de 1970. Era um mundo novo e
diferente a desbravar. Belizário já havia desistido do comércio de tecidos e
abrira no mesmo ponto da loja o famoso e tradicional Bar Ávila, ponto de
encontro aos sábados e domingos dos migrantes do garimpo de Monte Alegre do
Piaui. O assunto era a cidade e os amigos que ficaram por lá. Poucos anos
depois, a família mudou-se para o barracão de tijolos no Conjunto G da Quadra
10. Por este tempo, nasce o caçula, Paulo Sobrinho. A casa de Belizário e Milce
parecia não ter portas. Além de acolher pessoas da família que buscavam
tratamento de saúde em Brasília era como se fosse um albergue sempre disponível
a acolher alguém, a ajudar a quem chegava em Brasília precisando de orientação
e acompanhamento. Era comum aos domingos, no almoço, servir arroz, feijão,
macarrão e três capões adquiridos na feira da Quadra 8. A mesa era apenas para
cada um fazer seu prato. De prato feito, cada um procurava um lugar para
sentar-se. E todos comiam bem!
No
final de 1971, dois fatores contribuíram para Belizário dar uma guinada nos
negócios. A despesa com a casa e a disponibilidade de um tipo de mão-de-obra
necessária de ocupação: os garimpeiros migrantes de Monte Alegre do Piauí.
Primeiro, avisou a Oséias, fiel amigo desde os tempos da Bahia, que ele seria o
responsável pelo funcionamento do bar se um pensamento que ele estava colocando
em prática vingasse. Em breve ele criou a Motege (Movimentos de Terra em Geral)
em sociedade com seu amigo Sunito (Davi Soares). Assim, alavancou sua renda e
ocupou a mão-de-obra disponível. Um dos primeiros e marcantes trabalhos da
Motege foi a escavação dos tubulões para os alicerces do Ginásio Esportivo
Presidente Médici (hoje, Nilson Nelson). Diversos edifícios do Setor Bancário
Norte tiveram seus tubulões de fundação escavados pela Motege, assim como as
valas para passagens de cabos do Aeroporto de Brasília. A firma foi extinta
assim que Belizário completou o tempo de contribuição para o INSS.
Em
1978/79, depois da morte do filho Carlos Alberto, retorna ao Piauí e utilizando
os recursos naturais da Fazenda Saquinho, com mecanização básica, dá início a
fabricação de um tipo de telha até então desconhecido na região. De coloração
esbranquiçada, com uma calha mais larga e longa o produto tem ótima aceitação
no meio. Entretanto, a produção é obrigada a diminuir por falta de construções
novas na cidade e a dificuldade logística de fazer chegar a outras praças.
Enquanto via o negócio minguar, recebe uma proposta irrecusável pelas terras da
Fazenda Saquinho. Demora a acreditar que seja real. O comprador era sério e
queria uma resposta logo. Fechou negócio e, outra vez, retorna a Brasília.
Passa
a dedicar o seu tempo à construção da nova residência da família, uma casa
ampla, arejada, confortável e de portas largas, como não poderia deixar de ser.
Pronta, era a casa de todos que ali chegavam. Ele era incapaz de demonstrar
cansaço ou irritação com o burburinho da casa. Conversas que varavam a noite,
regadas a bebidas e música. Ele estava presente até quando tivesse interesse no
assunto. Se não havia interesse, saía de fininho e se recolhia em seu quarto.
Estava sempre de bem com a vida e a vida com ele.
Nasce
a primeira neta, Belisa, filha de Belizário Jr., que o faz permitir tudo que
ela quisesse fazer. Com os filhos de José Milton, não foi diferente, e ele
passava seus fins de semana na casa do filho paparicando as crianças.
Finalmente, chegam os outros netos, filhos de Roberthson e de Belaura. Conviveu
com todos os sete netos. Os bisnetos, ele não teve a graça de conhecer.
Seu
filho Berão, convence-o a voltar a trabalhar com o comércio e lhe propõe uma
sociedade. Abrem uma loja de ferramentas profissionais e equipamentos
industriais. O negócio evolui e possibilita uma ampliação. Entretanto, a
sociedade sofre um revés por ações que fogem ao controle dos sócios.
Imediatamente, resolvem liquidar o estoque, vender o ponto e investir no Piauí,
em outro ramo completamente diferente. Na Fazenda Estreito, com mais um sócio,
implantam um sistema de confinamento de bovinos para abate. Recuperam pastos,
plantam cana-de-açúcar, instalam alambique e adquirem novas áreas no vale do
Paraim. Belizário estava completamente integrado à vida rural. Vinha em
Brasília esporadicamente. Preferia a paz, o sossego e a tranquilidade de poder
dormir ao anoitecer e acordar ainda escuro para tomar uma caneca de leite
diretamente do peito da vaca, um gole de café e uns tragos do cigarro partido
ao meio como ele gostava. Infelizmente, acometido de privações intestinais teve
que voltar a Brasília na busca do restabelecimento da saúde. Aos poucos, dias
antes de completar seus 80 anos, em 25 de setembro de 2005, Belizário, seu
Bili, Zalo, pai Zau (como eu o chamava), nos deixou.
Era
um sujeito de boa prosa e de hábitos simples. Uma vez, perguntei se ele não
tinha vontade de viajar até Santo Inácio para matar a saudade. Ele me respondeu
com um caso simbólico. Lembrou que havia um lugar próximo a Santo Inácio que
era extremamente seco. Muito seco. No período chuvoso apresentava a melhor
produção de melancias, este lugar era conhecido como Lago D’água, E arrematava
cutucando o meu braço:
-
Um lago que não tinha água. Mas se você for comigo, podemos marcar a viagem.
Não marcamos. Não fomos e ele não retornou a Santo Inácio.
Hoje,
100 anos de nascimento de Belizário de Ávila Ferreira e primeiro ano de vida do
seu bisneto mais novo, João Gabriel, filho da sua primeira neta, como se a
vida, em sua infinita sabedoria tivesse escolhido esta data para reafirmar que
a vida e o legado de Belizário não se encerram com o tempo, mas renascem em
cada nova geração.
Assim,
nesta data, duplamente significativa, celebramos a lembrança de quem partiu e,
também, a esperança que se renova com outra vida.
Jorge
Luiz Alencar Guerra
Rica historia, gostei. Parabéns aos idealizadores. Felicidades. Abcs.
ResponderExcluirMeu primeiro patrão
ResponderExcluirMeu primeiro patrão
ResponderExcluirParabéns Jorge muito bom
ResponderExcluirGostei.
Ficou maravilhoso.