Raimundo Dias Negreiros nasceu na cidade de São Raimundo Nonato, estado do
Piauí, em 1º de janeiro de 1931. Era o quarto filho do casal Manoel de
Negreiros Sobrinho (seu Nezinho) e Maria Dias de
Negreiros (dona Maninha), cuja prole era
de 17 filhos.
Cursou o ensino básico em sua terra natal e, já como
seminarista, partiu para Salvador. Lá, cursou o ensino médio e, depois,
Filosofia. Concluído o curso de Filosofia, seguiu para Roma, com outros 34 seminaristas, para cursar Teologia no
Seminário Pio Brasileiro.
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| Catacumba de Priscila |
Em 25 de fevereiro de 1956 foi
ordenado sacerdote na Basílica de São Paulo Extra Muros e, no dia seguinte, celebrou sua Primeira Missa na Catacumba de Priscila.
De julho a setembro de 1956, viajou por vários países
da Europa e, no dia 28 de setembro daquele ano, embarcou de Roma para o Brasil
a bordo do navio francês Provence.
Desembarcou no Rio de Janeiro em 11 de outubro. Viajou até São Paulo, para encontrar-se com o irmão Edilvo e outros parentes. Depois de alguns dias em São Paulo
seguiu viagem para São Raimundo Nonato. Chegou no dia 7 de novembro, sendo
recebido com muita alegria e com grandes homenagens.
Em 11 de novembro de 1956
celebrou sua Primeira Missa na terra natal na
presença do Bispo Dom Inocêncio e de vários
padres concelebrantes.
Alguns dias depois inicia a sua vida apostólica como
padre; vigário auxiliar e professor.
Em São João do Piauí substituiu por algum tempo o Padre Sólon. Posteriormente, foi transferido para Corrente na condição de auxiliar paroquial e professor do Colégio São José, dirigido por padres mercedários. Em 1958 retornou a São Raimundo
Nonato. Na condição de professor,
foi lotado no Colégio Dom Inocêncio permanecendo ali
por seis meses. Ainda, em 1958, retorna a Corrente atendendo um
chamado de Dom José Vasquez. Naquela cidade
retoma suas atribuições e permanece por nove anos.
Em 1967, Dom José Vasquez avisa que ele
deverá assumir, como pároco, em uma das cidades que estavam sem vigário. Não
precisou de muito tempo para se decidir por Monte Alegre. Já no Domingo de
Ramos tomava posse na presença de padre Getúlio de Alencar, autoridades
locais e de uma grande massa de fiéis.
Durante algum tempo lecionou no Ginásio Divina Pastora, em
Gilbués. Naquele tempo amadureceu a idéia de fundar um
Ginásio em Monte Alegre, uma vez que
muitos jovens deixavam os estudos por não ter condições para residir fora do
município. A ideia ganhou corpo e adeptos. O espírito idealizador do Padre
Raimundo contagiava a todos, que de alguma maneira se colocavam à sua
disposição.
Não havia tempo a perder. Cumpridas as exigências
legais, no dia 2 de julho de 1967, nasceu a Obra Social Nossa Senhora de Fátima, de Monte Alegre do Piauí, suporte e
mantenedora do Ginásio Nossa Senhora de Fátima. A ideia
tornava-se concreta.
No segundo semestre de 1970, quando os alunos pioneiros do Ginásio já cursavam a
antiga 2ª série, inaugurou-se o prédio onde se
instalaria e funcionaria em caráter permanente o Ginásio Nossa Senhora de Fátima, abrindo novos horizontes aos jovens de Monte
Alegre.
Incansável, padre Raimundo, continuou
promovendo a fé pela educação. Seu esforço foi reconhecido, tendo ele assumido,
por nomeação do então governador do Estado, Dr. Dirceu Arcoverde, o cargo de Superintendente do Complexo Escolar Regional de Corrente, cargo que ocupou até março de 1980.
A convite do então reitor da Universidade
Federal do Piauí, professor Camilo Silveira Filho, coordenou os Cursos de Extensão Universitária na Microrregião de Corrente. Dois anos depois foi lotado no Projeto Piauí, último trabalho que realizou como educador,
passando desde então a exercer as tarefas específicas do seu sacerdócio.
Mais ainda faltava realizar um
grande sonho acalentado e alimentado por muitos anos. Mais uma vez, o seu espírito idealizador faria
concreto o grande sonho: a construção de um Santuário para devoção à mãe de
Deus. Graças à ajuda de amigos de Teresina, Brasília, Goiânia e de todas as
cidades do extremo sul do estado do Piauí ergueu o templo planejado.
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Praça Padre Raimundo Dias Negreiros.
Ao centro o Santuário Nossa Senhora de Fátima
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Em 10 de fevereiro, com participação de representantes dos diversos
segmentos político, social, religioso do estado e de outras unidades
federativas surge o grande, bonito e
imponente Santuário
Nossa Senhora de Fátima, capaz de receber
os fiéis que já não encontravam acomodação na igrejinha matriz.
Naquele dia o semblante do padre Raimundo deixava
transparecer a felicidade, a paz do dever cumprido e denotava o gesto de
carinho à comunidade mariana que ele tanto amava. Com o coração pleno daquela
paz ele repetia sempre: “Os anos de vida que ainda me
restam, eu os ponho à disposição de Deus e dos meus irmãos na fé”.
Algum tempo depois, já bastante debilitado pela doença, interna-se em Teresina. Lá,
falece em 12 de novembro de 1996, não sem antes manifestar o seu
desejo de ser sepultado no Santuário Nossa Senhora de Fátima, para, assim,
repousar eternamente na terra que tanto amou e entre o povo que o acolheu,
ajudou e amou como padre, como mestre, como amigo de todas as horas e como
irmão.
Sua lembrança estará sempre
conosco porque ele fez realmente parte da nossa história e das nossas vidas.
Aos causos, pois.
Uílis?
João eu te batizo em nome do Pai do Filho e do Espírito Santo
Em desobriga pelo interior do município
o padre. Raimundo e sua “ajudância de ordem” desembarcam no Brejo na casa do
senhor Chico Elvas, depois de uma tarde inteira de viagem desde Monte
Alegre. Não demora a sair a janta e logo
todos se acomodam nas redes armadas na sala. Pela manhã, logo depois do café de
massa, se dirigem para um prédio público que servia de escola. O padre autoriza
o início dos apontamentos com os nomes dos batizandos, pais e padrinhos.
Absorto nas anotações não olhava para a pessoa que informava os dados. Tendo finalizado
um apontamento, outro informante é convocado.
- Nome da criança?
- Uílis, responde a genitora.
- Padre! A mulher está dizendo que o
nome do menino é Uílis. Pode?
- Hum, hum!
Encerradas as anotações, os batizandos e
respectivos padrinhos são chamados a formar um círculo para facilitar os ritos
da cerimônia.
O
padre vai andando dentro do círculo e perguntando o nome de cada criança e ao
mesmo tempo despejando água na cabeça.
- Este?
A mãe, posicionada atrás dos padrinhos,
se apressa em responder:
- Uílis!
O padre então completa a etapa:
- João, eu te batizo em nome do pai, do
filho e do espírito santo.
Sem olhar para a mãe resmunga:
- Não sabe nem falar o nome que quer por
no filho.
O
diabo vai ser achar o santo
Ao descobrir que era possível captar na
Alemanha doação de recursos para obras nas pequenas paróquias do interior da
América Latina, o padre Raimundo não perdeu tempo. Projetou construir, além do
Santuário de Nossa Senhora de Fátima, algumas capelas no interior. Uma delas
foi a capela do povoado São Dimas.
Contando com a receptividade e o apoio
da comunidade, começou a discussão sobre a localização da futura capela.
Aproveitando uma passagem do bispo por Monte Alegre, comunicou-lhe a
iniciativa. O bispo, também, entusiasmou-se com o projeto, mas aproveitou para
perguntar:
-
E o santo a ser homenageado?
Padre Raimundo sapecou:
- Tem que ser São Dimas. O senhor não
acha?
O bispo, antevendo a dificuldade, disse:
- Mas vai ser difícil encontrar uma
imagem.
Tempos depois, ao finalizar a obra e
“quebrar” umas geladas em uma birosca próxima à capela, resolveu ir a Bom Jesus
comunicar o fim das obras ao bispo. Na viagem parou em Paus e “quebrou” mais
umas três geladas para amainar o calorão. Retoma a viagem e ao chegar a Bom
Jesus, vai direto ao Palácio Episcopal. Entra. Sem ser anunciado, grita:
- Senhor bispo acabei a Capela de São
Dimas. Agora, o diabo vai ser achar o santo.
Eu
não saio de Monte Alegre. Que saia o bispo que é espanhol!
Logo depois da posse do bispo D. Ramón Carozas
em substituição a D. José Vásquez, convoca-se uma Assembleia com a participação
de todos os padres da diocese de Bom Jesus. À medida que chegavam eram recepcionados por seminaristas e guiados
até aos aposentos que cada um deveria ocupar dentro do Seminário. Na hora do
jantar não faltaram comentários sobre a pauta da reunião, até então
desconhecida de todos.
Depois do jantar foram todos à Missa na
Catedral de N. Sra. das Mercês. Antes de dormir, um lanchinho básico. Nova
rodada de especulações, os nervos já à flor da pele. De repente, um dos padres
diz que um dos pontos a ser discutido seria o rodízio entre os vigários nas
paróquias. A informação parecia ser procedente, pois o padre alvissareiro
indicava alguns nomes dados como certos no rodízio.
Noite mal dormida. Depois do café começa
a Assembleia. O novo bispo saúda os padres e lhes apresenta as boas-vindas. O assunto não foi tratado na parte da manhã. À
tarde, um dos padres afirma ter visto as papeletas com os nomes dos vigários e
as novas paróquias. O padre Raimundo, sem a sesta costumeira, estava com a
cabeça pesada e já de saco cheio com o assunto. Proclama:
- Eu não saio de Montalegre, de jeito nenhum. Estou muito bem lá e espero acabar meu
dias por lá.
Um dos padres lembrou que a ordem seria
do bispo. Com a simplicidade que lhe era peculiar, padre Raimundo bateu o
martelo:
- Eu não saio. E se o senhor bispo não
ficar satisfeito que saia ele que é espanhol. Eu sou é brasileiro, estou na
minha terra!
Textos publicados originalmente no livro Chegou hoje? Quando volta? 1ª edição, 2014, Oliveira, Pedro Paulo Tavares.